A verdadeira “herança maldita”

Durante a transição de poder em 2003, muito se falou acerca da “herança maldita” deixada por Fernando Henrique Cardoso. Juros em alta, dólar nas alturas, dívida pública explodindo… não era exatamente um cenário promissor para o torneiro bissílabo  de São Bernardo.

Mas, bem ou mal (mais mal), Fernando Henrique Cardoso deixou o arranjo macroeconômico estabelecido: câmbio flutuante, metas inflacionárias e rigor fiscal. Fez-se forçado, é verdade, o que joga por água baixo a alegação dos tucanos de que os petistas “se apropriaram” da herança tucana. Nenhuma das mudanças macroeconômicas realizadas deu-se por vontade d’El Rey. Todas foram deglutidas goela abaixo pelo “mercado”, que ganhou horrores com a desvalorização de um câmbio que até os flamingos do Planalto sabiam podre. Lula teve a sabedoria de manter os pilares macroeconômicos e fazer o que Fernando Henrique passou 8 anos renegando: lembrar que aqui mora um país e seu povo, e cuidar um pouco mais dele.

De todo modo, ficou para a história a versão de que a combinação desastrosa de juros elevados, câmbio descontrolado e acordo com o FMI foram a “herança maldita” de FH para Lula. Isso acabou desviando um pouco a atenção daquilo que realmente considero a maior herança maldita do período: as agências reguladoras.

Com o propósito de privatizar a qualquer custo, Fernando Henrique torrou a maior parte do patrimônio nacional para sustentar uma política cambial insana. Ao argumento de que as empresas privatizadas negariam investimentos e não corresponderiam aos desejos dos consumidores, eis que Fernando Henrique apresenta ao país as famosas “agências reguladoras”. Elas seriam responsáveis por controlar a atividade das áreas privatizadas (energia, telecomunicações, etc.) e garantir que os cidadãos não fossem prejudicados pela aquisição do patrimônio público por empresários gananciosos. Passados pouco mais de dez anos, não há viv’alma capaz de renegar a realidade: a escolha foi um desastre.

Veja-se o caso do Ceará. Em 2003, houve o ciclo de revisão tarifária promovido pela Aneel. Sem razão aparente, a conta de luz deu um salto de 34%. Assim, sem mais, nem menos, sem dó nem piedade, o consumidor incauto passou a pagar mais de um terço a maior na conta de energia.

Em 2011, deveria ocorrer uma nova revisão. Como os serviços prestados pela Coelce só vêm se deteriorando com o passar do tempo, até os postes sabiam que haveria uma redução na tarifa. O que fez a Aneel? Postergou o processo de revisão por um ano.

Agora, um ano depois, descobre-se que a tarifa deveria ter caído aproximadamente 10% desde abril do ano passado. Sim, mas e a redução que não foi aplicada na época? O que fazer com ela?

Simples. Transforma-se em crédito para o consumidor (leia-se: percentual maior de redução na tarifa).

Até aí, tudo bem. Apesar de tungada por um ano, a malta, penhorada, agradeceria o alívio retroativo.

Mas aí vem a Aneel e faz o quê? Diz que esse crédito vai ser “parcelado” nos “próximos anos”, para “evitar” que no futuro a conta de luz “suba de uma vez”.

Quer dizer: para aumentar, tunga-se de uma vez; para diminuir a tarifa, parcela-se em suas prestações anuais.

Com agências assim, zelando pelos seus interesses, quem haverá de ir contra os consumidores? No país do futebol, agência reguladora na conta dos outros é refresco.

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