Explicando o júri

Nessa semana ocorrerá o julgamento de um imbecil responsável pela morte da ex-namorada, um crime que ficou conhecido pelo nome da vítima: o “Caso Eloá”.

Não vou aqui entrar em detalhes, até porque aquilo que conheço do caso é possivelmente o mesmo de todos os freqüentadores deste espaço; somente o que foi noticiado em TV e jornais. Meu intuito aqui é simplesmente explicar o funcionamento dessa instituição diferenciada dentro do sistema legal: o júri.

Pra começar, deve-se dizer que, no júri, o acusado é julgado por seus semelhantes. É dizer: não se trata de alguém com qualificação técnica em matéria jurídica (como é o caso do juiz), mas de um sujeito comum, um engenheiro, um faxineiro, um eletricista, e por aí vai. Ao juiz compete apenas dirigir os trabalhos e, em caso de condenação, definir aspectos técnicos, como a quantidade da pena e o regime de cumprimento.

Em alguns países, o júri é largamente utilizado. Nos Estados Unidos, por exemplo, vários estados conferem ao júri a competência para julgar toda e qualquer causa, até mesmo as que não envolvam matéria penal, como ações de família, guarda, batidas de trânsito, etc.

Já no Brasil, nem todo crime será julgado pelo júri. Somente os “crimes dolosos contra a vida” (art. 5º, inc. XXXVIII, alínea “d”). Por “crimes dolosos contra a vida”, entenda-se, os crimes praticados com o propósito de matar a vítima. Excluem-se, portanto, os crimes culposos (nos quais não há intenção de matar) e todos os outros crimes que não impliquem ameaça à vida, mesmo aqueles praticados com violência, como o roubo. Excluem-se também, por óbvio, todas as causas cíveis (família, sucessão, indenizatórias, etc.)

Uma coisa que nem sempre é bem entendida e, quando entendida, dificilmente é aceita pacificamente por quem ouve, é o fato de a decisão do júri ser soberana (art. 5o., inc. XXXVIII, alínea “c”). Isso significa que o que o júri decidir, está decidido. Nem o juiz nem eventualmente o tribunal julgando um recurso podem alterar a decisão dos jurados. Se o júri decidiu que o sujeito é inocente, nem o juiz nem o tribunal podem mandá-lo à cadeia, por mais evidente que sejam as provas do crime. E o contrário também é verdadeiro: se o sujeito for condenado, não podem o juiz e o tribunal mudar a decisão para “inocente”.

É verdade que, julgando a apelação, o tribunal pode anular o júri e mandar fazer outro, se a decisão for “manifestamente contrária à prova dos autos”. Mesmo assim, o tribunal não inocenta o sujeito. Ele manda que se faça um novo júri, com novos jurados. Mas se esse novo júri decidir novamente a mesma coisa, só resta ao tribunal enfiar a viola no saco e aceitar a decisão.

A segurança dos jurados contra vinganças é garantida pelo sigilo das votações. Os jurados depositam seus votos aos quesitos em uma urna, sem que se saiba quem votou o quê. Mas esse sistema é relativamente falho. Se sete – o total de jurados – decidirem de uma só maneira – culpado ou inocente – o sigilo vai pro espaço. Por isso mesmo, alguns magistrados aplicavam uma fórmula chamada “voto definidor”. Quando se alcançava a maioria de 4 votos, parava-se a votação, e o restante dos votos não era mais considerado. Isso garantia o sigilo mesmo em casos de decisões unânimes.

O problema é que muitos tribunais e, salvo engano, o STF e o STJ, já decidiram que aplicação do voto definidor viola o direito do réu de saber por quantos votos ganhou ou perdeu. Assim, continuamos aprendendo a contar até sete, à custa da segurança dos jurados.

Com essas explicações, acho que ficará mais interessante acompanhar julgamentos de júri, sem depender das análises e das notícias apressadas e distorcidas da grande imprensa.

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2 Responses to Explicando o júri

  1. Avatar de Ana O. Ana O. disse:

    É interessante esclarecer que, com a alteração do art. 483 do CPP, o juiz deve encerrar a votação do quesito após a apuração do quarto voto no mesmo sentido. Como as cédulas restantes devem ser misturadas as que estavam na urna de descarte antes de serem conferidas, fica garantido o sigilo.

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