Certa vez postei algo aqui sobre um dos meus filmes favoritos: Encontrando Forrester, com Sean Connery.
Em resumo, o filme conta a história de um escritor recluso, que concebera o “romance do século” e nunca mais escrevera nada. Por uma dessas coincidências do destino, acaba encontrando um jovem, negro, pobre, do Bronx, que escreve divinamente bem. Enquanto Jamal Wallace encontra em William Forrester o professor certo para desenvolver seu dom, Forrester redescobre em Jamal o sentido da vida. O filme claramente faz referência a uma experiência de alter ego entre ambos: o jovem Jamal se vê no velho Forrester, enquanto Forrester olha para Jamal como quem olha para um espelho em retrospectiva.
Por que estou falando disso?
Bem, no filme Forrester empresta a Jamal um texto que escrevera para a New Yorker, de modo a fazer com que Jamal, copiando suas palavras, quebre a inércia e comece a escrever as suas. O título do texto era The Magical Year of Baseball – A season of faith perfection. Erroneamente, traduziram o subtítulo como “uma estação da perfeição da fé“, quando o correto seria “uma temporada da perfeição da fé“. De todo modo, o conteúdo do texto é ignorado, e fica à imaginação do telespectador intuir quais eram as mágicas palavras a compô-lo.
Entretanto, recordando a trajetória do Vasco neste ano, não fica tão difícil imaginar o que Forrester teria escrito.
O time começou totalmente desacreditado. Perdeu os 4 primeiros jogos no Campeonato Carioca e virou motivo de piada nacional ao correr o risco de ser rebaixado no estadual do Rio. Com a chegada de Ricardo Gomes e o retorno de Felipe e Juninho Pernambucano, a coisa começou a mudar.
Nenhum dos dois tem o mesmo gás de outrora. Tampouco estão no auge do talento, como estiveram ambos no final dos anos 90. Mesmo assim, a representação encarnada de um passado glorioso (sete títulos em quatro anos – 97-2000) parece ter resgatado a confiança perdida pelo time nos últimos anos.
Aos poucos, com a evolução de jogadores irregulares, como Diego Sousa, e de promessas como Éder Luís e Bernardo, o time foi-se firmando. Ganhou a Copa do Brasil e, com a vaga garantida na Libertadores, entrou de cabeça na disputa do Brasileiro.
Desde 2003, quando o time mágico do Cruzeiro, liderado por um Alex irrefreável, nunca um campeão da Copa do Brasil tinha ido tão longe no Brasileiro.
Mas havia um problema. Exatamente no meio do campeonato, Ricardo Gomes sofreu um AVC hemorrágico gravíssimo, e ficou entre a vida e a morte.
Qualquer outro time teria perdido ali as condições emocionais para seguir adiante.
Mas não esse Vasco.
Ignorando as falhas da arbitragem e o elenco limitado, o Vasco seguiu em frente e, com raça e dignidade, levou a disputa até o último momento do último jogo da última rodada.
Perdeu, é verdade, apesar de, segundo o site Placar Real, ter sido o “campeão moral” do campeonato. Mas perdeu dignamente. Não cabem afirmações de que o Vasco “foi vice de novo”. Muito pelo contrário. Há muita diferença entre “perder o campeonato” e “ser o vice”. O Vasco não perdeu o título, ganhou o vice.
Se ganhasse, teria sido o campeão mais épico da história do Brasileiro. O campeonato ficou com um time igualmente limitado, que empatou vários jogos com as calças nas mãos e venceu 17 dos 21 jogos por apenas um gol de diferença.
O Corinthians foi um campeão justo. Mas, ganhando, tornou-se “apenas” mais um campeão. Vencendo, o Vasco seria o campeão.
Se tivesse existido, certamente Forrester se inspiraria no Vasco de 2011 para escrever sua temporada de perfeição da fé. Só ela explica como um time limitado, que passou metade do campeonato sem técnico, possa ter chegado onde chegou.
Nada de baixar a cabeça. Nunca um vice deveria ser tão comemorado.
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