Hoje saiu a notícia de que o Edmundo teve a pena extinta pelo Supremo Tribunal Federal. Escapou da cana, depois de ter sido julgado e condenado responsável por um acidente em 1995, que resultou na morte de quatro pessoas.
Num mundo normal, as pessoas em geral preferem não cometer crimes por duas razões. A primeira, por um imperativo moral. Não se quer fazer mal ao próximo, ao mesmo tempo em que não se quer lutar contra a própria consciência. Na outra parte, a pessoa até aceitaria cometer um crime; sua consciência não lhe pesaria tanto. Mas mesmo assim o crime é evitado por uma questão prática: a pessoa não está disposta a pagar o preço do crime com a privação da liberdade. Quando a pessoa nem tem reserva de consciência suficiente para impedi-la de cometer um crime, ou acha que o preço a pagar a vale pena, aí se terá um criminoso.
No Brasil, entretanto, cada vez mais caminha-se para relegar tudo à consciência alheia. Os instrumentos de coerção do Estado parecem cada vez mais fracos. Pratica-se o crime e, a depender da condição social do agente e da quantidade de dinheiro disponível, o sujeito jamais irá pra cadeia. Mesmo condenado, mesmo réu confesso, o criminoso vai escapando à base de recursos e habeas corpus, generosamente concedidos por um judiciário complascente.
Mas o judiciário não é o único vilão nessa história. Conta para isso com a providencial ajuda do legislador. E o principal buraco por onde escapa a maioria dos criminosos chama-se prescrição.
Na essência, a idéia da prescrição é até boa. Pretende-se com ela impedir que o sujeito venha a responder por um crime muito, mas muito tempo depois de cometido. De fato, ficaria difícil tomar depoimentos e recolher provas muito tempo depois do crime cometido. É uma forma de pressionar o Estado a apurar rapidamente o delito e fazer com que o processo corra.
O problema não é nem tanto a prescrição em si, mas duas de suas modalidades: a prescrição intercorrente e a prescrição em concreto.
Na prescrição intercorrente, conta-se o prazo de prescrição durante o curso do processo. Exemplo: um crime prescreve em dois anos. A ação penal é proposta no prazo de um ano. Portanto, dentro do prazo de prescrição. Daí, o prazo volta a correr do zero. Mas se, por acaso, passarem-se três anos entre o recebimento da ação penal e a sentença condenatória do juiz, mesmo condenado, o sujeito se livrará da cana, por conta da prescrição. Piada.
Outra piada é a prescrição em concreto. Para explicá-la, é preciso dizer que os prazos de prescrição variam de acordo com a pena. Por exemplo: crimes cuja pena máxima é de até dois anos prescrevem em quatro anos. Assim, vamos supor que o sujeito cometa um delito cuja pena máxima seja de dois anos. A ação penal só foi proposta três anos depois. Portanto, dentro do prazo de prescrição. Entre e o recebimento da denúncia e a sentença condenatória, passou-se o prazo de um ano. Logo, não houve prescrição intercorrente. Todavia, por ser primário, de bons antecedentes e por ter confessado o crime, sua pena foi de somente seis meses. Com isso, conta-se de novo o prazo de prescrição considerando a pena efetivamente aplicada: seis meses. Nesse caso, o prazo de prescrição cairá para um ano. Logo, como a ação penal só foi proposta três anos depois do crime, o sujeito, mesmo condenado, terá sua pena extinta por prescrição.
A verdade é uma só: o processo penal, tal qual existe hoje, não passa de uma ilusão. Um bicho-papão, que pode até assustar criancinhas, mas que não causa maiores temores nos adultos. A coisa é estruturada para não funcionar. E os beneficiários desse tipo de sistema, é claro, são os mesmos de sempre: políticos corruptos e sujeitos endinheirados.
Proposta?
Acabar com a prescrição intercorrente e a prescrição em concreto. Ou, na pior das hipóteses, aumentar em muito os prazos de prescrição, para evitar que os ardis processuais dos recursos e dos habeas corpus continuem a transformar o processo penal numa palhaçada.
Enquanto isso não for feito, vamos continuar brincando de perseguir bandidos. E, tal como as brincadeiras de criança, não haverá cadeia no final da história.
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