O grande momento de dois velhinhos justiceiros

Ontem escrevi sobre o julgamento no STF sobre a Lei de Ficha Limpa.

Pode parecer estranho, mas isso me lembrou um episódio ocorrido no governo Fernando Henrique.

No auge da privataria, haviam grampeado ilegalmente algumas pessoas-chave do processo de privatização. Reveladas, as gravações mostraram ministros e executivos de bancos do governo operando “no limite da irresponsabilidade”.

Pra quem não lembra,  tentava-se “montar” grupos de investidores para, supostamente, aumentar a concorrência do leilão de privatização das empresas de telefonia. Com isso, se aumentaria o preço das ações e, por conseqüência, o lucro do governo com a venda.

A grande estrela da companhia era Luís Carlos Mendonça de Barros, então Ministro das Comunicações. Chamado ao Senado para explicar seus “limites de irresponsabilidade”, Mendonça de Barros estava convencido de que entraria como ministro e sairia como ministro. Sucumbiu, no entanto, diante de dois senadores: Jefférson Péres e Pedro Simon.

Mendonça de Barros argumentava que fizera tudo aquilo pra aumentar o preço de venda. Portanto, pra privilegiar o interesse público. Nada que justificasse um pedido de demissão.

Elegante, de fala mansa, Jefférson Péres foi ao nervo:

“O setor público, senhor Ministro, adota regras rigorosas exatamente para que não aconteça de hoje um ministro honesto adotar práticas heterodoxas em favor do bem público mas amanhã um ministro desonesto adotar essas mesmas práticas heterodoxas em proveito próprio”.

Depois, Pedro Simon deu-lhe o golpe de misericórdia. Em um pequeno discurso de 10 minutos, destronou o todo-poderoso comandante das privatizações.

De início, Simon evoca Aristóteles. Num silogismo aparentemente contraditório, afirma:

“O Ministro presidiu a privatização das teles. O Ministro conseguiu aumentar o ágio do leilão. Logo, deve renunciar”.

“Renunciar? Como assim?”

Ao intereferir diretamente no leilão para ajudar este ou aquele grupo econômico – mesmo em nome de um suposto proveito maior para o governo – o Ministro jogou na lata do lixo o princípio da impessoalidade. O imoral não era a escuta telefônica ilegal. Era o ministro sendo apanhado mercadejando garantias financeiras quando deveria limitar-se a garantir a lisura de todo processo.

Simon reconhecia que Mendonça de Barros não lograra nenhum proveito pessoal próprio. Mas, citando Shakespeare, fuzilou:

“– Lembrais de César nas Lupercais? Três vezes lhe ofereci
a coroa, três vezes ele a recusou. Será que essa atitude pode se
dar o nome de ambição? Entretanto, Brutus disse que César
era ambicioso. E Brutus é um homem honrado…!”

Repetindo cada malfeitoria gravada ilegalmente, Simon, como Marco Antônio, dizia:

“Mas Brutus também é um homem honrado…”

Por tudo isso, só restava a Mendonça de Barros uma saída: renunciar, “para fazer um favor ao Presidente da República” [poupando-o do constrangimento de demiti-lo].

Encurralado, Mendonça de Barros limitou-se a responder:

“Na hora em que for consenso desta casa essa sua posição, eu já decidi que deixo o Governo”.

Já havia deixado. O que veio depois foi só o sepultamento de um cadáver que fora executado por dois velhinhos justiceiros.

Pena que no Brasil não existam mais Jéffersons Péres e Pedros Simon.

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