O Governador do Ceará voltou do recesso, mas o seu senso de oportunidade parece que resolveu esticar mais um bocadinho.

Quem leu os jornais nos últimos dias, viu que Cid Gomes está querendo aprovar o fast track*para as licenças ambientais no Ceará. Pelo projeto, “algumas” obras poderão ser levadas à frente sem análise do impacto ambiental. Que intere$$e$ há por trás disso, só Deus sabe.

Cid Gomes diz que não apóia o projeto. Afirma que o assinou sem ler. Diz, inclusive, que sua intenção é o contrário do que está nele. Qual é esse contrário, Cid não disse.

Não sei o que é pior. Se é apresentar um projeto desses ou dizer que o assinou sem ler.

Quem quiser acreditar que um projeto lei é enviado pelo Executivo à Assembléia sem que o Governador saiba, deve acreditar também na teoria da bala mágica**, no boi-tátá e em esquimós.

E o que é que isso tem a ver com Sobradinho?

Sobradinho é uma cidade na Bahia, perto de Petrolina. Nela, o Governo Geisel começou a construir aquele que viria a ser o maior reservatório de água do Brasil. Mas não era pra abastecer a população; era pra gerar energia. Daí nasceu a Usina Hidroelétrica de Sobradinho.

Embora sua potência instalada seja relativamente baixa (1050 MW), é de Sobradinho que sai a água que abastece todas as outras usinas do Rio São Francisco. Por isso, quando quiserem saber se haverá racionamento de energia no Nordeste, procurem saber o nível do reservatório de Sobradinho; esqueçam os das demais, eles não importam.

O problema era que, pra construir um lago daquele tamanho, era preciso inundar uma quantidade absurda de terra. Não só terra, mas cidades inteiras que ficavam às margens do São Francisco. Pense por um instante no mapa do Brasil. Lembra daquela mancha azul no norte da Bahia, perto de Pernambuco? Pois é. Aquilo é o reservatório de Sobradinho. São 4200 km2 de espelho d’água.

Como era época do Brasil Grande, “Ninguém segura esse país”, e outras baboseiras que os gorilas inventavam, fizeram tudo isso praticamente sem que o Brasil soubesse. As populações de Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Sobradinho foram removidas de suas casas e forçadas a ir para outras áreas, que ganharam os mesmos nomes das cidades alagadas.

Por isso, criou-se a canção Sobradinho. Muita gente pensa que é do Sá e Guarabyra, mas, na verdade, a música é de domínio popular. A canção é belíssima, e a ironia não poderia ser melhor: “O sertão vai virar mar, [mas] dá no coração o medo que algum dia o mar também vire sertão”.

E a tristeza de quem teve que partir também: “Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado, Sobradinho…Adeus, Adeus…”

Talvez tenha sido a primeira música com fundo ecológico gravada no país.

Aí vai ela, numa versão primorosa do Biquini Cavadão, na série “Um barzinho, um violão”.

*Fast track – política aprovada pelos republicanos autorizando George ‘non-sense” Bush a negociar tratados de comércio com outras nações sem aprovação prévia do Congresso Americano. O propósito era acelerar a implantação da falecida Alca.

** Teoria da bala mágica – Tese abraçada pela Comissão Warren para sustentar que havia somente um atirador (Lee Harvey Oswald) no atentado a Kennedy.