O populismo bárbaro da extrema-direita, ou Analisando objetivamente a operação no Rio de Janeiro

Da onde menos se espera, daí é que não vem mesmo. Tal é a sensação de quem acompanha o noticiário desde a fatídica operação que matou mais de 120 pessoas no Rio de Janeiro. Se a semana começou com o gosto amargo de sangue na boca com a matança indiscriminada numa ação policial que já é a mais letal da história do país, ela termina com claro avanço das hostes bárbaras, como se o que ocorreu na antiga capital federal fosse algo a ser celebrado.

Nas redes insociáveis da extrema-direita, o discurso do “bandido bom é bandido morto” adquiriu diversas variantes, mas todas conduzem a um só resultado: a barbárie. Como se adotassem um conceito facínora do pensamento de Ivan Karamazov, uma vez que Deus abandonou estas plagas há muito tempo, tudo está permitido. No limite, dane-se o bandido morto.

Deixemos de lado o fato de que, há mais de trinta anos, esse mesmo “método” vem sendo aplicado, com os resultados que estão aí. Deixemos de lado o fato de que a nossa Constituição não autoriza pena de morte, salvo em caso de guerra declarada. Deixemos de lado até a questão de que ninguém sabe ao certo se os 120 mortos eram de fato bandidos ou não. A pergunta é: como classificar objetivamente essa operação?

Do lado do populismo barato da extrema-direita, “argumenta-se” que não se prende bandido “com flores”, nem se entra numa favela “pedindo licença”. Verdade. Falta explicar, contudo, como essa mesma polícia – em coordenação com as Forças Armadas – conseguiu tomar dezenas de favelas, expulsando centenas de traficantes, na época das UPPs, sem a mesma quantidade de vítimas de agora. Ou, ainda, da prisão do assassino do jornalista Tim Lopes, Elias Maluco, na favela da Grota, com um total de zero mortes.

De acordo com a polícia, o objetivo da operação era cumprir cerca de 80 mandados de prisão contra lideranças do Comando Vermelho entocados nas favelas do Alemão e da Penha. Dessas, a principal era Edgar Alves de Andrade, o “Doca”. Doca foi preso? Não. Por quê? Segundo a própria polícia, porque a operação vazou. Quem vazou? Ninguém sabe.

Se o objetivo não era tomar território, já à partida a “estratégia” de guerra campal a céu aberto não faz sentido. Se o objetivo da operação era realmente cumprir mandados de prisão, não há como classificar senão como desastre o que aconteceu. Uma operação desse tipo deve ser cercada de toda uma preparação de inteligência, de modo que os bandidos sejam presos – até para que se possa obter mais informações deles – e nenhum policial morra. Nessa, morreram quatro policiais, número inaceitável para uma operação desse tipo.

Diz-se que o Comando Vermelho construíra “hotéis” na favela para abrigar faccionados do Brasil inteiro, e que o objetivo da operação era prender essa galera. Beleza. Considerando que isso seja verdade, a polícia sabia: 1) onde estavam os “hotéis”; e 2) quem estava “hospedado” neles. Com essas duas informações em mãos, se a polícia preferiu não fazer uma estratégia de cerco e mirar cirurgicamente os pontos em que estavam os criminosos, bem… aí o problema foi de quem “planejou” a operação.

Objetivamente, portanto, pode-se afirmar desde logo que: 1) a estratégia utilizada pela polícia foi errada; 2) não se sabe por qual razão, mas voluntariamente a polícia resolveu seguir uma linha de ação que colocou muito mais gente – inclusive os próprios policiais – em perigo; e 3) nenhum resultado prático foi atingido, salvo enxugar gelo.

Haverá, claro, quem ainda prefira celebrar a morte dos meliantes (sem saber, ainda, quantos dos 120 de fato eram bandidos). Tudo bem. É a mesma galera que celebrou a ação da polícia de São Paulo, quando invadiu um presídio em 1992 para acabar com uma rebelião. No massacre do Carandiru, morreram 111 presos (que, ao contrário destes de agora, tinham sido julgados). Em resposta, algum tempo depois os encarcerados de São Paulo resolveram criar uma espécie de “sindicato” para se defenderem da ação ilegal do Estado.

Seu nome?

Primeiro Comando da Capital (PCC).

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