A vida é feita de acasos. Um esbarrão, um encontro casual, uma troca de olhares inocentes, e, de repente, a magia acontece. É assim que acontece com a maior parte dos casais, efêmeros ou duradouros. E é assim, também, com a relação entre amigos e amigas. Por que, então, haveria de ser diferente entre chefes de Estado? Tal é a sensação de quem acompanha o verdadeiro plot twist nas relações entre Donald Trump e Luís Inácio Lula da Silva nos últimos quinze dias.
Depois de se cruzarem nos bastidores da Assembléia Geral das Nações Unidas, os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos teriam “se abraçado”. Mais que isso. Rolou uma “química” entre os dois. Combinaram de se falar depois. Como sabemos disso? Ora, porque o próprio Laranjão veio a público e disse, depois de ter sido duramente criticado no discurso de abertura por Lula.
Ninguém sabe onde termina a fantasia e começa o cinismo, especialmente vindo de um ser tão “peculiar” quanto o Nero Laranja. Ainda assim, uma coisa é certa: o suposto monopólio dos contatos com os norte-americanos – cujas vias pareciam interditadas por Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo – havia se desmanchado. A questão, agora, era saber até onde Trump e Lula avançariam no flerte. Ontem, tivemos a resposta para essa pergunta.
Em outro movimento surpreendente, em especial considerando o contexto dos últimos meses, Trump pegou o telefone e tocou para Lula. Numa conversa de meia hora, o Laranjão e o torneiro bissílabo de São Bernardo trocaram idéias sobre comércio e sobre a amizade dos dois países. Segundo consta, houve até direito a brincadeiras com a idade dos dois, já que ambos são praticamente octogenários. Para surpresa de boa parte da Bozolândia, não se tocou no nome de Bolsonaro. Conforme o relato de Lula e de Trump, tratativas agora estão sendo feitas para um encontro pessoal, que pode acontecer ainda este mês.
Em menos de quinze dias, portanto, Trump: 1) falou abertamente que cruzou com Lula e o abraçou, achando-o “um cara legal” e que teria rolado uma “química”; e 2) ligou para Lula, anunciou o fato e declarou, publicamente, que “gostou da ligação” e que os dois países “se dariam muito bem juntos”.Em resumo, depois do like no Tinder, aparentemente agora deu match na relação entre os dois.
Mas o que fez Donald Trump mudar tão radicalmente de posição em tão pouco tempo?
A gente nunca vai saber de verdade, mas algumas hipóteses podem ser especuladas.
A primeira delas diz respeito aos efeitos do tarifaço. Por mais que boa parte da imprensa e dos analistas de “o mercado” costumem zombar da importância geopolítica do Brasil, o fato é que o país não é exatamente um Zé Ninguém no mundo. Boa parte da pauta de exportação brasileira aos Estados Unidos faz parte do cardápio matinal e da dieta dos norte-americanos. Suco de laranja, café e carne (para fazer hambúrguer) são itens essenciais na prateleira de qualquer ianque. Sem alternativas imediatas à mão, a única alternativa que restou aos importadores foi ajustar os preços de acordo com as tarifas impostas pelo Laranjão. Resultado: a popularidade de Trump, que nunca foi nenhuma Brastemp, começou a derreter com a inflação dos alimentos por lá.
A segunda hipótese diz respeito à descoberta de que as sanções americanas, por mais ameaçadoras que fossem, não foram capazes de dobrar o Brasil. Com a bandeira do nacionalismo sendo-lhe entregue de bandeja, Lula produziu o que a marquetagem norte-americana costuma chamar de rally around the flag. Mesmo quem não gosta de esquerda – não sendo um néscio alienado – era incapaz de simpatizar com o fato de uma potência estrangeira tentar ditar os rumos do país. Por mais vira-latas que sejamos, se há uma coisa que une o país é a idéia de que, aqui, mandamos nós. Ninguém tem o direito de vir de fora para dizer o que devemos fazer.
A terceira hipótese, por mais especulativa que seja, talvez seja a mais provável. De todas as maluquices que Trump produziu desde que voltou ao poder, a única “estratégia” que parece mais ou menos clara é a idéia de restaurar o conceito de “zonas de influência”. Sob esse ângulo, a América Latina é o quintal dos Estados Unidos e o Brasil, sendo o maior país da região, tem de estar necessariamente alinhado com eles. Por isso, deve-se fazer de tudo para evitar uma aproximação do país com a China, a grande rival norte-americana nessa Guerra Fria 2.0.
Sob esse aspecto, a idéia de usar Bolsonaro como “cavalo de Tróia” para desestabilizar as relações entre os dois países poderia fazer sentido. Afinal, na ótica enviesada de Bananinha e do bolsonarismo, Lula lideraria um governo impopular. Com a pressão dos Estados Unidos, Trump poderia forçar uma mudança de regime no Brasil e, com Bolsonaro livre a anistiado, estaria limpo o caminho para a ascensão de um governo satélite dos Estados Unidos por estas bandas.
O problema, como ensinava o Conselheiro Acácio, é que as consequências vêm depois. Nada do que estava planejado aconteceu. Não só o governo Lula não balançou até cair como, com o avanço de pautas bizarras como a PEC da Bandidagem e a anistia, a população saiu às ruas para protestar contra o Congresso. Para qualquer um que quisesse enxergar, ficou claro que, se Trump pretendia ter um aliado na presidência do Brasil, não seria através dos Bolsonaro que ele conseguiria essa façanha. Nesse caso, portanto, o Laranjão faria melhor negócio tentando se acertar logo com Lula do que tentando, em vão, substitui-lo por Bolsonaro.
Por isso mesmo, não são negligenciáveis as chances de que as trocas de chamego públicas entre Trump e Lula avancem para um namoro firme. Nesse cenário, Bolsonaro seria rifado sem dó pelo Laranjão, um conhecido malandro tóxico, protótipo ideal do “boy lixo”. Tendo amarrado o seu destino, o destino da sua família e, no limite, da própria extrema-direita brasileira, Dudu Bananinha deve estar tentando se levantar pelos (poucos) cabelos, tal o nível de desespero com o beco sem saída em que se meteu.
Faltou-lhe, talvez, atentar para o sábio conselho de outro farsante – muito mais inteligente e estiloso – que fez sucesso na televisão dos anos 50. Descoberta a fraude do Twenty-One, Charles Van Doren veio a público confirmar que recebia as perguntas com as respostas antes do programa, no qual o vencedor ganhava uma bolada em dinheiro. Na audiência congressual em que confessou a fraude, Van Doren sentenciou a si mesmo:
“I’ve flown too high on borrowed wings” (Eu voei muito alto em asas emprestadas).
Abaixo, o discurso de Van Doren, na interpretação de Ralph Fiennes, no magnífico Quiz Show, para quem quiser assistir: