Eu sei, eu sei. O clichê é conhecido. Mas vale a pena rememorar.
O(a) sujeito(a) se interesse por alguém. Se oferece pra ela(e). Se joga aos seus pés. Diz I love you. E, em troca, recebe apenas um constrangedor Nice to see you again. Na outra ponta, está o(a) sujeito(a) que não está nem aí. Não liga. Não dá sinal. Não manda recadinho pelo(a) amigo(a). E, de repente, quando cruza o olhar com a pessoa desejada pelo(a) outro(a) que estava se humilhando, a magia acontece. Guardadas as devidas proporções, foi mais ou menos o que aconteceu hoje entre Donald Trump, Jair Bolsonaro e Luís Inácio Lula da Silva.
Cumprindo o ritual que vem desde o célebre Oswaldo Aranha, coube a Lula abrir a reunião anual das Nações Unidas em Nova Iorque. Em um discurso sério, pensado e bem escrito, Lula reafirmou a posição soberana do Brasil no mundo e atacou, na “casa do adversário”, o responsável pelo pandemônio em que o mundo se tornou neste ano: Donald Trump.
Ao sair do púlpito, o protocolo determina que o segundo a falar é justamente o anfitrião, os Estados Unidos. Contrariando o que provavelmente até os próprios assessores esperavam, o Laranjão saiu do texto escrito e começou a improvisar. Para surpresa geral, disse que cruzou com Lula nos bastidores e, segundo o próprio Nero Laranja, “ele me viu, eu o vi e nós nos abraçamos”. Mais. Lula pareceu a Trump como “um cara muito simpático”: “eu gostei dele e ele gostou de mim”. Não só isso. Pelo espaço infinito de “39 segundos”, rolou uma “química excelente”. O Laranjão não se declarou para Lula, isso é fato. Mas, como diz o ditado, simpatia é quase amor. Em um condomínio de Brasília, Bolsonaro deve estar vociferando contra as estrelas e perguntando: “Onde foi que eu errei?”
Piadas à parte, o roteiro surrealista que se desenrolou hoje em frente aos nossos olhos significa uma mudança radical na política do Nero Laranja com o Brasil. Até agora, prevaleceu a diplomacia do porrete. Ignorando regras básicas não só da tradição diplomática como até de etiqueta, Trump tinha instaurado uma espécie de “diplomacia paralela”, ignorando os canais oficiais e se valendo da bat-dupla Dudu Bananinha e Paulo “Neto do Ditador” Figueiredo como interlocutores dos negócios do Brasil.
Com o discurso de hoje, não se pode dizer que o panorama tenha de fato mudado – afinal, Trump é Trump. Mas é seguro dizer que pelo menos uma fresta foi aberta. Trump falou de um encontro semana que vem. Se realmente o encontro acontecer, é partir daí que o jogo de verdade pode começar. A grande pergunta que fica, porém, é a seguinte:
O que teria levado a mudar de posição em relação ao Brasil?
Nunca ninguém vai saber ao certo, mas é possível pelo menos especular algumas hipóteses. Dando-se de barato que o objetivo final do Laranjão é impedir que a China se assenhore do seu antigo quintal, a estratégia de isolar Lula não parecia de todo estúpida. Afinal, era um governo “hostil” – ou, pelo menos, não era um governo que lhe lambia as botas -, e, do outro lado, havia poodles – os Bolsonaros – dispostos a fazer o serviço de transformar o país em um satélite dos Estados Unidos.
O problema, como o tempo acabou por demonstrar, era que o Brasil não era mais tão dependente dos Estados Unidos como foi durante todo o século XX. As sanções comerciais prejudicaram alguns setores, mas nada que causasse uma débâcle econômica capaz de vergar o governo. Pra piorar, as sanções contra Xandão e Cia. Ltda. de nada serviram para mudar a dinâmica do julgamento da trama golpista. Condenado, Bolsonaro agora é um preso domiciliar à espera de uma mudança para a Papuda. Não se trata de um prospecto muito alvissareiro para quem pretende mudar o regime de outra Nação.
Não se descarte, também, os efeitos das manifestações do último domingo. Com o ronco das ruas contra a PEC da bandidagem e a anistia aos golpistas, os assessores de Trump que pelo menos sabem que a capital do Brasil. não é Buenos Aires devem ter lhe alertado de que, se a idéia era operar uma mudança de regime através dos Bolsonaro, a chance de a iniciativa dar com os burros n’água era imensa. Por isso mesmo, uma correção de rota seria bem vinda. Se não para aproximar-se de Lula, pelo menos para tatear o terreno e procurar alguma outra opção a Lula mais viável do que Jair ou Bananinha.
Seja qual for a razão a motivar o Nero dos nossos tempos, a única certeza é que a Bozolândia entrou em modo “tela azul”. Se o ídolo máximo dessa gente capaz de trair a própria pátria para apoiar seus ataques ao Brasil dá as costas de forma tão acintosa a Bolsonaro, que tipo de esperança lhes resta? A menos que Dudu Bananinha consiga convencer Trump a sancionar a si mesmo, é difícil imaginar que venha algo de bom para a extrema direita com a abertura de um canal de comunicação entre Lula e o Laranjão.
Com o pai em vias de ir definitivamente pra cadeia e denunciado pela PGR, Eduardo Bolsonaro deve estar tudo, menos tranquilo. Se havia alguma chance de ele tentar voltar ao Brasil e retomar o mandato, era que a pressão dos Estados Unidos se tornasse tão grande que forçasse o país em algum momento a dobrar os joelhos. Diante do que aconteceu hoje, esse cenário se torna menos provável.
Repetindo: nada aconteceu e, do outro lado, está Donald Trump (o que já diz tudo). Não há nenhuma garantia de que Trump tenha sido sincero ou de que ele e Lula se darão bem. Mas, como diz o ditado, simpatia é quase amor…