E já que a principal personagem da semana foi o atual governador de São Paulo, nada melhor do que recordar um post de um ano e meio atrás, quando já então se falava que a eleição do ano que vem estava decidida.
É o que você vai entender, lendo.
Cadeira elétrica, ou Quais são as chances de Tarcísio de Freitas virar presidente?
Publicado originalmente em 6.12.23
É a opinião unânime de 9 em cada 10 analistas profissionais da grande imprensa brasileira: Tarcísio de Freitas, o governador biônico do estado de São Paulo, é forte candidato a se tornar o próximo presidente da República. A única dúvida, segundo os çábios, é se ele já vai concorrer agora em 2026, ou se vai esperar terminar um possível segundo mandato como governador paulista, para enfrentar alguém que não seja Lula em 2030 (já que, caso reeleito, o torneiro bissílabo de São Bernardo não poderá mais concorrer à presidência).
Com Bolsonaro inelegível, mas o bolsonarismo ainda vivo e pulsante nesta doente sociedade brasileira, o prognóstico parece óbvio para qualquer um que analise o cenário. Afinal, Tarcísio traria consigo os votos da extrema-direita bolsonarista, ao mesmo tempo em que conseguiria agregar os votos antipetistas da direita envergonhada, que anulou o voto ou escolheu Lula, diante do descalabro geral do desgoverno de Jair Bolsonaro. Como a parcela petista da sociedade não ultrapassa 1/3 do eleitorado, o jogo estaria jogado. Somando o terço à direita com o terço do meio (ou “centro”, como queiram), Tarcísio teria tudo para se eleger como supremo mandatário da Nação.
Mas será?
Antes de mais nada, há de se lembrar as circunstâncias em que Tarcísio de Freitas elegeu-se governador do estado mais rico da federação. Carioca de nascimento, burocrata brasiliense por opção, Tarcísio de Freitas jamais disputara nenhuma eleição em sua vida. Coube a Jair Bolsonaro o tirocínio de enxergar que, na antiga cidadela tucana, bastião do anti-petismo, bastaria conseguir lançar um candidato seu ao segundo turno que a parada estaria resolvida.
Montado na máquina presidencial e com o intrincado mecanismo do “Gabinete do Ódio” funcionando a todo vapor, a empreitada até que foi fácil. Fernando Haddad, que perdera no primeiro turno a reeleição para prefeito de São Paulo, jamais lhe foi um obstáculo intransponível. Pelo contrário. Serviu-lhe de trampolim para, sem qualquer experiência administrativa ou política, sendo um absoluto forasteiro em terras paulistas, conseguir se eleger governador de São Paulo. Tivesse Bolsonaro escolhido o “astronauta” Marcos Pontes ou um outro poste qualquer, o resultado teria sido o mesmo: a derrota do PT em São Paulo.
No entanto, uma vez eleito governador, agora é que são elas. Desde que foi instituída a reeleição no Brasil, apenas Mário Covas e seu vice, Geraldo Alckmin, lograram alcançá-la com sucesso. Covas morreu antes de completar o segundo termo, mas Alckmin ainda conseguiu mais duas reeleições, quando então o PSDB encarnava o espírito anti-petista tão presente naquelas plagas. Fora isso, o último governador que saiu do Palácio dos Bandeirantes direto para o Planalto foi Jânio Quadros, há mais de sessenta anos.
Donde se conclui que, ou a vitrine do governo paulista não é reluzente o suficiente (o que parece risível), ou então a sua poltrona serve como cadeira elétrica para seu ocupante. José Serra não chegou a tentar a reeleição em 2010, é fato, mas basta ver o que aconteceu com a popularidade de João Doria nos quatro anos em que serviu como governador dos paulistas. Só isso já permite ter uma idéia do tamanho da voltagem que corre no assento do governador de São Paulo.
“Ah, mas governo é governo, campanha é campanha”, dirão os mais céticos. Isso é correto só até certo ponto: o ponto de interrogação.
Desde a redemocratização, três ex-governadores de São Paulo tentaram alçar vôo a Brasília. Orestes Quércia (PMDB) tentou na eleição de 1994 e obteve um vexaminoso quarto lugar, atrás até de Enéas Carneiro, do nanico Prona, que ficou em terceiro. Geraldo Alckmin concorreu contra Lula em 2006 e conseguiu a façanha de obter menos votos no segundo turno (39,17%) do que no primeiro (41,62%). O que saiu “melhor” foi José Serra. Ainda assim, o mais odiado filiado do ninho tucano perdeu em 2010 para uma neófita na política, Dilma Rousseff, cujo governo foi o desastre que todo mundo conhece.
Antes, portanto, de dar de barato que Tarcício de Freitas vai se tornar o próximo presidente da República, conviria aos míopes analistas da grande imprensa saber se ele vai sobreviver à cadeira elétrica do Palácio dos Bandeirantes. Somente então poderemos saber quais serão, de fato, as suas chances para voos mais altos.
Até lá, muita água ainda há de rolar por debaixo dessa ponte…