Recordar é viver: “A fuga de Zambelli, ou O bolsonarismo é um movimento covarde?”

Ainda bem que não demorou nem dois meses para ela ser capturada, né?

É o que você vai entender, lendo.

A fuga de Zambelli, ou O bolsonarismo é um movimento covarde?

Publicado originalmente em 3.6.25

ão foi surpresa para ninguém, é fato.

Desde quando Jair Bolsonaro perdeu as eleições em 2022, sabia-se que os bolsonaristas em geral – e Carla Zambelli, em particular – tinham um encontro marcado com a Justiça. Depois de passarem quatro anos arrotando valentia diante de um Judiciário receoso a todo tempo de que Bolsonaro recorresse às “minhas Forças Armadas” para instalar uma ditadura no país, qualquer pessoa em cujo cérebro o Tico converse com o Teco poderia intuir que os dias dessa gente estavam contados. E, assim como o Sol nasce toda a manhã, a “coragem” dessa galera iria ser posta à prova. Deu no que deu.

No caso específico de Zambelli, o inferno astral começou na verdade no dia anterior às eleições. De arma em punho, a integrante da tropa de choque bolsonarista saiu pelas ruas de São Paulo em busca de um cidadão negro, o qual, segundo ela, teria lhe ofendido. As cenas da parlamentar transitando no bairro dos Jardins ao melhor estilo Kate Mahoney chocaram o país na véspera do pleito. P da vida com a repercussão negativa do incidente, Bolsonaro atribuiu a derrota presidencial para Lula a Zambelli. Ninguém jamais saberá quantos votos Zambelli “virou” naquele dia, mas a exposição, ao vivo e em cores, do que seria um segundo governo Bolsonaro certamente teve algum efeito no eleitorado.

Não podendo mais contar com a proteção oferecida por Jair a seus asseclas – e tendo caído em desgraça à direita com o episódio da perseguição armada em São Paulo -, Zambelli ficou literalmente sem pai nem mãe. Fora esse caso, Zambelli ainda viria a responder pelo bizarro episódio da inserção do mandado de prisão fake contra Alexandre de Moraes no sistema do CNJ. Contando com o auxílio do hacker de Araraquara, a deputada achou que faria algum sentido com a malta que pedia golpe na frente dos quartéis mostrar-lhes um mandado de prisão contra Xandão assinado pelo próprio Xandão. Deu no que está dando. Foi essa condenação, aliás, que motivou a fuga de hoje.

O que o “episódio Carla Zambelli” mostra, mais uma vez, é como a covardia faz parte intrínseca do ecossistema bolsonarista. Embora o movimento em si seja arvorado em “mitos” cheios de “coragem” para enfrentar o tal do “sistema”, quando você vai ver a fundo, em todos os episódios – TODOS – o que emerge são figuras patéticas, cheias de medo, incapazes de enfrentar de peito aberto e cabeça erguida o que eles mesmo dizem ser “injustiças” praticadas contra eles.

Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com Lula. Condenado por Sérgio Moro na Lava Jato, Lula não fugiu. Entregou-se e arrostou quase dois anos de cadeia. Durante esse tempo todo, em momento algum pediu anistia e dizia, para quem quisesse ouvir, que queria “desmascarar” Moro e Dallagnol, para só então sair de lá. Independentemente do que se ache sobre as acusações dele, há de se reconhecer que Lual enfrentou toda a situação com bastante hombridade e coragem. E olha que, no período em que esteve preso, Lula ainda sofreu a triste perda de um irmão e a tristíssima perda de um neto.

Do outro lado, veja-se o que se passou com Eduardo Bolsonaro. Pela simples suspeita de que Xandão estaria pensando em confiscar seu passaporte, o famoso “Bananinha” resolveu fugir para os Estados Unidos, do seu suposto “parça” Donald Trump. A proximidade com o Laranjão é falsa, toda a gente sabe, mas a palhaçada envolvendo seu autoexílio é bem real. Enquanto denuncia a “perseguição” de uma ilusória ditadura do Judiciário no Brasil, Bananinha passeia com a família pelas terras do Mickey, com todas as despesas pagas pelo pai. Não com dinheiro próprio, ressalte-se, mas, sim, com a grana arrecadada através de PIX dos “patriotas”.

O próprio Jair é o melhor exemplo de como a covardia cala fundo na alma dessa gente. Noves fora seu “test drive” de refugiado na embaixada húngara durante o carnaval do ano passado, toda a trama golpista só não foi levada de fato a cabo porque Bolsonaro tinha medo de não ter uma via de saída caso as coisas dessem errado. Foi por isso que ele não assinou a tal minuta do golpe.

Repare que, durante toda a sua presidência, as insinuações golpistas do ex-presidente sempre eram colocadas no campo da ambiguidade. Por exemplo: no fatídico 7 de setembro de 2021, Jair “alertou” o então presidente do STF, Luiz Fux, que, se não “enquadrasse” o Xandão, o Judiciário iria “sofrer aquilo que nós não queremos”.

A ambivalência, no caso, é proposital. Ele não fala abertamente em “fechar” o Judiciário. Deixa no ar a ameaça para que, caso ele sinta o cheiro de queimado, exista uma fresta através da qual ele possa escapar com um “não foi bem isso que eu quis dizer”. Foi o que aconteceu, a propósito, nesse mesmo episódio, quando, dois dias depois, assinou uma carta escrita por Michel Temer pedindo “desculpas” ao ministro.

Bem se vê, portanto, que o bolsonarismo é um movimento fundamentalmente covarde. A “coragem” de Bolsonaro e seus asseclas só sobrevive enquanto eles dispõem de instrumentos de coerção institucional. É muito fácil bater no peito e dizer que não vai recuar quando se está sentado na cadeira de presidente, tendo à disposição a caneta e uma série de militares malucos dispostos a barbarizar, como os envolvidos na “Operação Punhal Verde-Amarelo”. Difícil é ver essa mesma coragem fora do cargo, com a Justiça no seu encalço e com as Forças Armadas postadas ao lado do legalismo.

E nem se venha a alegar um paralelo completamente absurdo entre Zambelli e Bananinha com os exilados pela ditadura militar. Quem saiu do país naquele triste período da história nacional, fê-lo por medo de uma ditadura que prendia sem ordem judicial e torturava e assassinada dissidentes. Agora, estamos numa democracia, na qual os supostos “perseguidos” respondem a processos judiciais limpos e públicos, sem que nenhum ente estatal ouse sequestrá-los na calada da noite para serem seviciados em algum porão de quartel por um agente da repressão.

Colecionando tantas covardias típicas de quem jamais foi responsabilizado por qualquer coisa na vida, chega a ser espantoso que parte da direita e mesmo a grande imprensa possa considerar Bolsonaro como “líder” de qualquer coisa. Bolsonaro não lidera nada. Nunca liderou. Não lidera nem sequer a família dele, pois membros dentro dela já se digladiam em praça pública pelo papel de “poste” na eleição do ano que vem, quando provavelmente ele estará preso.

Aliás, “preso”? Alguém aí acredita que Bolsonaro encarará, como Lula fez, uma cana dura para continuar sua luta política de dentro da cadeia? A julgar pelo seu passado, o mais provável é que Bolsonaro esteja fora do país ou escondido em alguma embaixada amiga. Nesse caso, faria melhor o bolsonarismo se pedisse oficialmente a adaptação daquele trecho épico do hino nacional:

“Verás que um filho teu não foge à lut…NÃO, PERA!”

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