O desastre humanitário em Gaza, ou Estamos diante de um genocídio?

Toda vez que alguém de bom coração assiste a documentários ou filmes sobre a II Guerra Mundial, especialmente quando chega na famigerada parte dos campos de concentração nazistas, a pergunta natural que se faz é: “Como foi possível chegar a essa tragédia?”Guardadas as devidas proporções, talvez a resposta para essa fatídica pergunta esteja sendo relevada agora.

Já se passam quase dois anos desde os terríveis ataques produzidos pelo Hamas contra os israelenses. Naquele fatídico 8 de outubro, 1.200 israelenses foram covardemente assassinados por terroristas do grupo palestino. Trata-se do maior número de judeus mortos desde o Holocausto nazista. Para piorar, cerca de 250 reféns foram capturados e levados para o enclave palestino em Gaza.

A reação do governo israelita, liderado pelo infame Benjamin Netanyahu, foi a esperada: brutal e indiscriminada. Com uma campanha nascida originalmente para vingar o ato terrorista, “eliminar” o Hamas e resgatar os reféns, o exército israelense basicamente terraplanou o que antes eram cidades minimamente habitáveis por seres humanos na Faixa de Gaza.

Sem mais nada a destruir naquele pedaço de terra esquecido por Deus, o governo de Bibi Netanyahu alega que a guerra continua enquanto os reféns não foram resgatados. Beleza. Falta, contudo, explicar o seguinte:

Desde o começo da campanha, apenas quatro – QUATRO – reféns foram resgatados com vida pelo exército israelense. Fora esses, outros 22 corpos de reféns já mortos também foram resgatados das mãos do Hamas. Isso dá pouco mais de 10% do total de reféns sequestrados. Do outro lado, 123 reféns foram libertados após acordos de cessar fogo entre as partes. Outros quatro foram libertados espontaneamente pelo Hamas. No total, 127 (metade dos reféns) foram libertados através de negociação. E só quatro (3% de 127) foram de fato salvos por ação das tropas de Israel. Só isso demonstra, portanto, o fracasso da operação israelense.

Do ponto de vista estritamente militar, a coisa não muda muito de figura. Pelo contrário. Além da desproporção evidente de forças, Israel tem bloqueado toda e qualquer ajuda humanitária ao enclave palestino. Estima-se que apenas 30% da comida necessária para manter algum grau de dignidade aos 2,5 milhões de pessoas que se encontram por lá efetivamente chegou por lá. Resultado: um amplo e indiscriminado surto de fome se abateu sobre toda a população de Gaza. O cenário é tão desolador que o comissário geral da UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinos, descreveu assim as pessoas que encontra pelo caminho:

“Elas não estão mortas nem vivas. São cadáveres ambulantes”.

Como se isso não bastasse, acumulam-se denúncias de disparos covardes de tropas israelenses a multidões de famintos que correm desesperados quando algum caminhão com comida consegue chegar até eles. Após negar por várias vezes essas ações e ver-se obrigada a reconhecê-las depois da divulgação de vídeos por entidades independentes, Israel limitou-se a dizer que essas ignomínias não passam de “casos isolados”.

Que isso tudo resulta numa tragédia humanitária, ninguém discute. Parece fora de causa também que inúmeros crimes de guerra foram cometidos pelas forças israelenses (como o deslocamento forçado de populações). Isso, porém, não diz tudo. É preciso ir além. Estará acontecendo um genocídio em Gaza?

Do ponto de vista estritamente técnico, o artigo II da Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948), caracteriza o crime quando atos são cometidos com “intenção específica de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Esses atos podem ser, por exemplo: assassinato indiscriminado de membros do grupo; lesão grave à integridade física ou mental da população subjugada; submissão intencional a condições de vida destrutivas e transferência forçada de crianças. Se não gabaritou, o governo de Bibi chegou muito próximo disso na ofensiva deflagrada desde 8 de outubro contra a população palestina em Gaza. A única dúvida aí seria caracterizar a “intenção específica” de destruir o povo de Gaza.

Nada disso minora ou significa passar pano para a crueldade dos atos cometidos pelo Hamas em 8 de outubro do ano passado. O que não pode acontecer é que, a pretexto de punir os terroristas pelos crimes cometidos, a governo de Israel puna coletivamente mais de 2 milhões de pessoas – incluindo milhares de mulheres e crianças indefesas -, inclusive através do expediente desumano de negar comida a essa gente toda.

Seria historicamente irônico e verdadeiramente triste concluir um dia que o Estado de Israel, nascido e concebido para evitar que um novo Holocausto viesse a se abater sobre o povo judeu, fosse o responsável pelo primeiro genocídio do século XXI.

“Como foi possível chegar a essa tragédia?”

Porque pouca gente de fato se importa com isso.

Infelizmente…

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