A história é conhecida, mas vale a pena recontá-la.
Tal como aconteceu quando os portugueses aqui aportaram com suas caravelas, também nos Estados Unidos a terra estava toda dominada por índios. Como não passava pela cabeça nem dos ingleses nem dos nascidos na “Nova Inglaterra” dar guarida aos nativos do continente, a solução foi a mesma de todas as outras colonizações do Novo Mundo: exterminar os índios.
Comandando o 7º Regimento de Cavalaria, o tenente-coronel George Custer fizera fama como matador de índios. Em 1868, por exemplo, ele liderou um ataque ao acampamento Cheyenne no Rio Washita. Pegos de surpresa durante o sono, os cheyennes foram massacrados. Não só os guerreiros, mas mulheres e também crianças foram vítimas da fúria dos comandados de Custer. Uma vitória desse tipo seria motivo de vergonha em qualquer ambiente digno, mas, no faroeste selvagem norte-americano, foi o suficiente para catapultar Custer e sua “Sétima Cavalaria” ao estrelato.
Vaidoso e embriagado pela própria fama, o Coronel Custer resolveu tentar algo do gênero contra a tribo Sioux. Liderados por Touro Sentado e Cavalo Louco, não só resistiram à carga da Sétima Cavalaria, como ainda conseguiram fazer com que Custer e seus comandados caíssem na armadilha que eles haviam preparado. O resultado foi fatal: todos os membros da Sétima Cavalaria – incluindo o próprio Custer – foram mortos pelos Sioux.
O desastre da estratégia militar, porém, não impediu que o mote “esperar pela Sétima Cavalaria” se difundisse pelo mundo, com o sentido de esperar o surgimento de algum fator inesperado decisivo, que seja capaz de mudar o curso da história. É mais ou menos o que parece ter acontecido agora no Brasil nesta semana.
Quando Donald Trump resolveu vir com a carga de sua cavalaria tarifária pra cima do Brasil, Bolsonaro comemorou com júbilo em suas redes sociais a invasão estrangeira. Com sua visão particular da realidade, o ex-presidente parece ter enxergado nas ofensas do Laranjão o som dos trompetes anunciando a chegada triunfal dos heróis americanos que o salvariam do seu destino inglório (o cárcere).
Mas havia uma “opinião pública” no meio do caminho.
Muita gente não gosta de Lula, é fato. E mais gente ainda está insatisfeita com o seu governo. Daí a enxergar com naturalidade um ataque injustificado de uma potência estrangeira ao seu país, porém, vai uma longa distância. Quando essa potência são os Estados Unidos, comandados pelo Nero dos nossos tempos, a chance de um tal ataque resultar é menor do que a de Carluxo escrever algum tweet que faça sentido. Pensando somente em si, Bolsonaro e seu filho Bananinha claramente subestimaram o tamanho da reação popular às tarifas aplicadas indiscriminadamente por Trump aos produtos brasileiros.
Ainda que se possa discordar em muita coisa do STF, ninguém poderá contestar que o julgamento de Bolsonaro e sua trupe de golpistas é limpo e aberto. As provas – em quantidade colossal – foram expostas à luz do dia, e os réus estão recebendo da democracia toda a cortesia que a garantia do devido processo legal lhes pode conceder. A mesma cortesia que a ditadura idolatrada por essa gente negava aos seus presos políticos. Não há, exceto para os círculos mais soturnos do Zap da Bozolândia, qualquer “perseguição” a Bolsonaro.
Quando o seu Filho 03 resolveu se autoexilar nos Estados Unidos, é possível que nem Bolsonaro de fato acreditasse que ele pudesse arrancar de Donald Trump alguma coisa concreta a seu favor. Talvez lhe tenha faltado um pouco de conhecimento do sábio ditado chinês: “Cuidado com o que desejas”. Assim como a carga da Sétima Cavalaria do Coronel Custer, o ataque tarifário do Laranjão ao Brasil revelou-se uma estratégia suicida. Numa só tacada, Bolsonaro conseguiu:
- Expor, à margem de qualquer dúvida, seu patriotismo de fancaria;
- Comprar briga com boa parte dos financiadores do bolsonarismo, incluindo o agronegócio;
- Alvejar gravemente um de seus potenciais sucessores, Tarcísio de Freitas;
- Detonar um processo de barata-voa na Direita, que agora não sabe se defende Trump ou os empregos brasileiros;
- Acelerar o julgamento de seu processo no Supremo; e
- Entregar a Lula, de mão beijada, a bandeira do nacionalismo.
Enfraquecido politicamente e com a situação jurídica em estado hemorrágico, a pergunta que não quer calar é: Bolsonaro vai ser preso?
Que ele vai ser condenado, não há dúvida. O simples fato de ter tentado salvar-se da forma mais imbecil e tosca possível recorrendo a Donald Trump é prova de que nem ele mesmo acredita na possibilidade de salvação judicial. Mas ele de fato enfrentará cana dura?
Para acreditar que Bolsonaro de fato vá para a prisão, é preciso acreditar, antes, que ele não vai fugir. Essa hipótese, contudo, parece bem remota. Por simplesmente imaginar que pudesse ser preso provisoriamente, Bolsonaro foi se abrigar na Embaixada da Hungria em Brasília em pleno carnaval. Só saiu de lá quando olheiros lhe asseguraram que a “barra está limpa”. Agora, com a perspectiva de ser condenado definitivamente a uma pena superior a 40 anos, é difícil imaginar que o ex-presidente vá encarar de frente a prisão, como Lula, por exemplo, fez durante a Lava-Jato.
Em primeiro lugar, Bolsonaro é um covarde. Não só na pessoa física, mas, principalmente, na sua ação política. Seu tempo na Presidência foi um exercício diuturno de “tensão controlada”, na qual ele sempre ameaçava partir pro pau, mas, “na última hora”, recuava, pra dizer que não era nada daquilo que ele havia dito. Como um menino mimado que fazia bullying no colégio, Bolsonaro nunca soube o que é ser responsabilizado pelos próprios atos. Esse, aliás, deve ter sido o principal motivo para ele não ter assinado a famosa “minuta do golpe”. Caso o fizesse, ele não teria como negar para sua claque a participação no episódio.
Em segundo lugar, preso, Bolsonaro se tornaria refém das circunstâncias políticas do país. Uma coisa é ir pra cadeia “com a chave”, sabendo que daqui a pouco mais de um ano será solto, seja por indulto presidencial, seja por anistia do Congresso. Outra coisa, completamente diferente, é ver o sol nascer quadrado sem ter garantia nenhuma de que vai sair de lá. Se Lula ganha a eleição, não tem indulto nem anistia. E, se ganha alguém que não seja da sua “cozinha”, ninguém garante que, caso essa pessoa realmente batalhe pela sua liberdade, ela venha a enfrentar o Supremo quando a corte declarar o indulto ou a anistia inconstitucional.
Portanto, a menos que Bolsonaro descubra dentro de si uma coragem que jamais foi capaz de exibir publicamente, o mais provável é que Bolsonaro não seja preso. Não porque não será condenado, mas, sim, porque vai fugir antes.
“Para onde?”
Donald Trump já deu a senha…