O jogo começou e a bola está rolando. Enquanto as torcidas dos dois times (legalistas e golpistas) se enfrentam nas arquibancadas, o que interessa mesmo é saber que tipo de providência o juiz (Xandão) vai tomar daqui pra frente.
Desde a denúncia apresentada pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, a versão difundida da tentativa de golpe gestada no seio do alto comando bolsonarista era mais ou menos clara: Bolsonaro mandara sua equipe procurar argumentos jurídicos – por mais estapafúrdios que fossem – que justificassem uma virada de mesa nas eleições. De posse desses argumentos, condensados na agora famosa “minuta do golpe”, foi buscar nos comandantes das três Armas o apoio necessário para quebrar a ordem constitucional. Diante da ausência de unanimidade entre os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para um golpe bananeiro, Bolsonaro ficou com medo de assinar a minuta. Até aí, as tais das “narrativas” são mais ou menos uniformes.
A partir daí, as versões começam a tomar rumos diferentes. De acordo com os depoimentos prestados à Polícia Federal, o comandante do Exército, General Freire Gomes, teria recusado apoio à empreitada. De acordo com o comandante da Força Aérea, Brigadeiro Baptista Jr., Freire Gomes teria inclusive ameaçado Bolsonaro de prisão caso ele tomasse alguma medida “fora das quatro linhas” da Constituição. O único que teria colocado suas tropas à disposição do golpe teria sido o comandante da Marinha, Almir Garnier.
Desde sempre, a afirmação de que Freire Gomes teria ameaçado Bolsonaro de prisão era inverossímil, Independentemente do que se ache do caráter do general, o fato é que é muito difícil acreditar que um comandante de Força pudesse ameaçar o Presidente da República de prisão. Se ele fosse golpista, não o faria por razões óbvias (seria mais um a embarcar no golpe). Sendo legalista, uma tal ameaça colocaria seu próprio cargo em xeque. Demitido, ele nada poderia fazer para impedir a consumação do golpe. Não por acaso, o próprio Freire Gomes negou no depoimento judicial que tivesse agido assim.
Ademais, pelo que se sabe dos fatos até aqui, a postura de Freire Gomes durante todo esse período começa a adquirir uma inquietante feição dúbia. Se de fato Freire Gomes era um legalista de carteirinha que, com sua disposição, impediu que os cupins bolsonaristas pusessem abaixo a árvore do regime constitucional, por que assinou uma nota conjunta com os outros dois chefes de Força defendendo os “patriotas” que pediam golpe em frente aos quartéis? Se de fato sua intenção era impedir uma virada de mesa, por que insistiu que seu cargo fosse transmitido antes da virada do governo? E se, depois de tudo que se passou, por que tentou amaciar para Bolsonaro no seu depoimento, dizendo que a apresentação da minuta do golpe não lhe causara espécie?
Não custa lembrar que, por sorte do destino, na ocasião em que a cúpula do bolsonarismo gestava o golpe de mão contra as instituições republicanas, os chefes dos comandos militares – entre eles, o atual Comandante, Tomás Paiva, e o atual chefe do Estado-Maior do Exército, Richard Nunes – eram, de fato, democratas convictos, opondo-se abertamente a qualquer virada de mesa. Qualquer ordem de derrubada da constitucional, portanto, encontraria à partida um obstáculo intransponível: os generais com comando efetivo de tropa eram verdadeiramente contra o golpe.
A versão do Comandante do Exército, portanto, precisa fazer nexo. Freire Gomes era de fato um legalista em sua convicção íntima? Ou simplesmente não embarcou no golpe por que verificou que as condições necessárias para executá-lo não estavam presentes?
Uma acareação com os outros dois chefes das Forças Armadas poderia dirimir essa dúvida.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.