Guerra das Estrelas, ou O divórcio litigioso entre Donald Trump e Elon Musk

Já faz tempo. Mas, no começo dos anos 80, Ronald Reagan lançou um programa chamado de “Iniciativa de Defesa Estratégica”. A idéia era levar a corrida armamentista literalmente para o espaço. Como a certeza de aniquilação mútua era baseada no “equilíbrio do terror” – ou seja, no fato de que os dois lados possuíam tantos mísseis nucleares intercontinentais que, caso fossem atacados, a retaliação provocaria a igual destruição do agressor -, qualquer coisa que impedisse os mísseis de alcançar o seu território faria a balança pender para o outro lado.

No papel, a idéia era simples. Satélites espaciais seriam desenhados para destruir com lasers os mísseis intercontinentais lançados pela URSS. Assim, os soviéticos ficariam completamente expostos a um ataque nuclear maciço por parte dos americanos. Afinal, a eventual retaliação da União Soviética seria barrada pelos satélites norte-americanos. Não por acaso, a imprensa e o mundo em geral deram ao projeto um nome bem apropriado para a época: Guerra nas Estrelas.

O programa nunca veio de fato a ser implementado, mas só o seu lançamento fez com que os soviéticos, com medo, quisessem correr para não ficar em desvantagem em relação aos ianques. Com a URSS gastando 30% do PIB com a corrida armamentista, enquanto os Estados Unidos gastavam apenas 5%, era apenas questão de tempo até que o Império Soviético colapsasse. Antes do final da década, caía o Muro de Berlim.

Para quem acompanhou o final da Guerra Fria, o paralelo com o que está se passando agora no governo dos Estados Unidos parece natural e inevitável. Entretanto, ao invés de uma Guerra nas Estrelas, estamos vivenciando uma Guerra de Estrelas. Donald Trump, o Nero dos nossos tempos, e Elon Musk, o sujeito que pretende ser o Tony Stark (o bilionário por trás do Homem de Ferro) da atualidade, entraram nesta semana em um fascinante e tragicômico processo de autocombustão.

Tudo começou ainda na campanha presidencial norte-americana do ano passado. Musk, que fez carreira fazendo oposição a Trump, resolveu “adotar” o Laranjão e entrou de cabeça na corrida à Casa Branca. Despejou mais de US$ 300 milhões na campanha republicana e ainda fez “sorteios” de US$ 1 milhão a eleitores de estados-pêndulo (o que, aqui no Brasil, daria cadeia e cassação da chapa por abuso de poder econômico, mas deixa pra lá).

Em troca do apoio, Trump nomeou Musk como chefe de um recém-criado “Departamento de Eficiência Governamental”, seja lá o que isso queira significar. No melhor estilo fanfarrão, Musk prometeu cortar US$ 2 trilhões em gastos públicos do governo norte-americano. Só faltou, claro, dizer como. Na hora do pega pra capar, Musk conseguiu cortar apenas US$ 175 bilhões, o que equivale a meros 0,5% do orçamento total do Tio Sam.

Mesmo isso, contudo, veio a um custo institucional e político completamente absurdo. Milhares de empregados públicos foram demitidos simplesmente por se recusarem a prestar juramento de lealdade à figura do Presidente, como se o mandato de Trump fosse de algum modo baseado no modelo do III Reich. Além de vulnerar princípios básicos do que se entenda por um serviço público eficiente e mesmo o conceito de “República”, a “política” de Musk provocou um caos nas agências federais, levando algumas delas a ficarem virtualmente paralisadas por conta dos cortes no orçamento e das demissões sem sentido.

Como a toda ação corresponde uma reação, os factóides de Elon Musk começaram a afetar seus negócios. A principal vítima foi a montadora Tesla, que viu suas ações caírem 50% e seus carros virarem alvo da fúria de militantes, que ateavam fogo nos carros da empresa como forma de se vingar das loucuras do seu dono. Sentindo a água batendo na bunda, Musk achou melhor sair do governo e continuar bilionário.

Mas, com dois egos que não cabem neste mesmo planeta, parece óbvio que uma tal separação jamais poderia se dar de forma consensual. No dia 3 de junho, já fora do governo, Musk tuitou que o projeto de lei orçamentária proposto por Donald Trump era uma “abominação repugnante”. Segundo ele, o plano aumentaria a dívida do governo dos EUA em US$ 5 trilhões.

Trump, que havia elogiado o empresário sul-africano ao deixar o DOGE, disse que ficou “muito decepcionado” com seu antigo parça. De acordo com o Laranjão, “ele (Musk) conhecia o projeto melhor do que quase todos”. Musk não deixou a “acusação” por menos. “Nunca me mostraram nada!”, rebateu Musk. E, indo além, foi à jugular do Nero Laranja. Sem seu apoio, disse Musk, “Trump teria perdido a eleição”.

Hoje, contudo, a briga pública mudou de patamar. Enquanto os senadores republicanos hesitavam em apoiar o projeto de Donald Trump, Musk se transformou em maestro da rebelião. Atirando de volta, Trump chamou Musk de “ingrato”, ao que o empresário respondeu: “Sem mim, os democratas controlariam o Congresso”.

Imediatamente, o Laranjão tentou atacar Musk no órgão mais sensível do ser humano: o bolso. Disse ele que iria “cortar todos os subsídios e contratos do governo com as empresas dele”. Diante disso, Musk resolveu ligar o f*da-se. Acusou Trump de estar na famigerada lista do falecido empresário Jeffrey Epstein, suposto responsável pela criação de uma “ilha da pedofilia” para miliardários e políticos em geral. Não fosse isso o bastante, Musk resolveu pedir abertamente o impeachment do Laranjão e ainda ameaçou criar um novo partido político. A Guerra das Estrelas respingou até na atual Guerra nas Estrelas, com a SpaceX de Musk dizendo que vai aposentar a cápsula Dragon, atualmente utilizada pelas missões tripuladas da Nasa.

Assistindo a tudo calados, os democratas parecem estar apenas curtindo esse circo no estilo “briguem, desgraçados, briguem”. Contrariando a regra dos sinais matemáticos, segundo a qual o inimigo do meu inimigo é meu amigo, os partidários de Biden e Kamala Harris evitam se associar publicamente a Musk. No lado financeiro da contenda, as ações das empresas do sul-africano derretem na bolsa. Só hoje, a Tesla despencou 14%, fazendo com que Musk fique US$ 27 bilhões “mais pobre”.

Ainda é cedo para dizer onde essa briga vai terminar e muito menos dá pra dizer quem vai sair ganhador dessa batalha. Embora nenhum míssil tenha sido destruído nesse embate, verifica-se claramente que a sanidade mental da cúpula do establishment norte-americano está sob risco. Ironia suprema: os dois homens que se elegeram com a plataforma de “reduzir o tamanho do Estado” acabaram gastando mais energia em tweets do que em governar. Sob esse prisma, Musk leva vantagem. Como ele mesmo disse, “Trump tem somente mais três anos e meio de presidência. Eu fico aqui por mais quarenta”.

Na Guerra das Estrelas, o último a tuitar vence. É o que Musk parece entender.

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