Habemus Papam, ou Uma Igreja que ruge

Não deu outra.

Tal como previsto aqui, mais uma vez os tais “vaticanistas” deram com os burros n’água. Para quem previa uma disputa renhida entre o ex-secretário de Estado Pietro Parolin e um membro da ala conservadora (provavelmente o cardeal Peter Erdo), eis que o Sacro Colégio Cardinalício nos brinda com mais uma “surpresa” do Espírito Santo. Sim, porque por mais que alguém venha a dizer que Robert Prevost tinha alguma chance por estar na chefia do poderoso Dicastério dos Bispos, não se encontrou viv’alma que tenha apostado um só centavo na sua eleição para o Trono de São pedro.

A lógica de não considerar o ex-chefe dos agostinianos como “papável” era relativamente simples:

Primeiro, era “novato”. Não havia dois anos desde que fora alçado ao cardinalato pelo Papa Francisco. Cardeais de primeiro conclave não costumam constar como favoritos em lista alguma. Há, claro, exceções, como a eleição de Giovanni Batista Montini em 1963. Mas o futuro Paulo VI chefiava a poderosa diocese de Milão (a segunda mais importante do catolicismo, depois de Roma) e há rumores de que, mesmo antes de ser cardeal, houve quem quisesse elegê-lo no conclave anterior, que transformou o simpático Patriarca de Veneza Angelo Giuseppe Roncalli no inesquecível Papa João XXIII.

Segundo, era norte-americano. Com Donald Trump falando abertamente em “influenciar” a escolha do novo Bispo de Roma – a ponto de publicar no Twitter uma imagem gerada por IA com o Laranjão em vestes papais -, ninguém apostaria que os cardeais elegessem um americano para o cargo. Afinal, isso seria dar “poder demais” à maior superpotência do planeta.

O “tiro” de Trump, contudo, saiu pela culatra. Não só os purpurados não se deixaram intimidar pela pressão vinda da Casa Branca, como resolveram bater de frente com o Nero dos nossos tempos. Ainda como cardeal, Prevost já criticara publicamente Trump e seu vice, JD Vance, na rede social do parça do Laranjão, Elon Musk. Agora, quando o Nero Laranja quiser reclamar do Santo Padre, não vai estar falando de um italiano ou de um argentino que veio “quase do fim do mundo”. Estará falando de um compatriota seu.

Além de já ter demonstrado ser oposição a Trump, Prevost ainda trazia consigo alguns “bônus” que o fizeram alcançar o papado numa votação quase supersônica. Apesar de ter nascido nos Estados Unidos, ele conduziu sua carreira missionária praticamente inteira na América Latina. A ligação era tamanha que ele se naturalizou peruano. Nesse ponto, não passou despercebido aos mais atentos que, na sua primeira benção urbi et orbi, o agora Papa Leão XIV falou ao público em italiano e em espanhol, mas não na sua língua materna (o inglês). Nem Francisco, que era portenho da gema, chegou a essa “ousadia” de se dirigir ao público na língua de Cervantes.

E por falar no nome escolhido por Prevost, a indicação de “Leão” não poderia ser mais auspiciosa. Para além da óbvia referência ao seu predecessor – Leão XIII, responsável pela encíclica Rerum Novarum, eixo fundante da Doutrina Social da Igreja -, o próprio Prevost declarou na sua primeira entrevista como Papa que estamos entrando numa fase de “nova revolução industrial”. Segundo ele, as possibilidades criadas pela Inteligência Artificial gerarão “novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”. Se antes do conclave esperava-se que os cardeais optassem por um Papa “mais moderado”, que “freasse” os avanços de Francisco, depois dele observa-se claramente que o Sacro Colégio resolveu pisar no acelerador.

Portanto, para aqueles que esperavam um “meia volta, volver” ou uma Santa Sé avessa ao barulho, o conclave de 2025 nos apresenta uma Igreja que ruge. Sendo talvez o último resquício de uma era perdida, em que a honra e a moral tinham algum valor no teatro da geopolítica, a Igreja Católica pode exercer um saudável balanço contra-majoritário em um mundo altamente permeável à influência nociva da extrema-direita. Nesse contexto, a escolha dos cardeais não poderia ter sido mais feliz.

Vida longa ao Papa Leão.

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