Carlo e Marina se conheceram ainda na juventude. Ele, três anos mais velho, engraçou-se para aquela que era a menina mais bonita da rua. O amor foi tão grande que fez Carlo abandonar o seminário e a condição de coroinha para começar o namoro com ela.
O namoro levou a adolescência inteira. Em determinado momento, porém, como Carlo não conseguisse abandonar plenamente suas convicções católicas, propôs a Marina um noivado. Ninguém ainda nem tinha entrado na faculdade, que dirá ter uma casa para morarem juntos. Mesmo assim, o ex-futuro padre achou por bem “reforçar” os laços com uma aliança dourada. Não havia data de casamento marcada, mas o bambolê na mão direita era um sinal de aquilo não era “apenas” mais um namoro.
Os cinco anos de noivado foram um eterno “quase”. Primeiro, faltava dinheiro. Depois, tempo. Depois, coragem. Marina queria uma festa com 300 convidados. Como com seminarista, Carlo só fazia questão da missa e de ter um padre amigo para celebrar o casório. As brigas eram constantes e, em determinado ponto, a tampa da panela de pressão explodiu, levando o noivado ao fim.
Foram cerca de dois anos de vidas separadas. Marina namorava um rapaz ali, Carlo namorava uma moça acolá, mas os laços forjados com a família eram tão fortes que ambos continuaram a se frequentar, a despeito dos eventuais “intrusos”. Para quem via de fora, parecia apenas uma questão de oportunidade para que os dois reatassem. E foi justamente isso que aconteceu numa determinada festa.
Estando ambos novamente solteiros, Carlo e Marina se encontraram no aniversário de uma prima dela. Conversa, conversa vem, a noite terminou com uma nos braços do outro. Como o noivado já era parte do passado, a única coisa que lhe restava era o passo seguinte: o casamento.
Marina ainda estava na faculdade, mas Carlo, já formado, tinha um emprego capaz de sustentar a casa. Não havia grana para muita festa, então ambos concordaram em casar por ora apenas no civil. Cerimônia simples, no estilo petit comité, apenas as famílias dos noivos e alguns poucos amigos. Nada espalhafatoso ou com grande luxo. Quando as condições financeiras permitissem, aí sim, haveria uma festa de arromba com o casamento religioso.
Durante o casamento, tiveram dois filhos em três anos. O menino era quieto como a mãe, mas a filha era espoletada como o pai. Por dez anos essa foi a rotina deles: criar os filhos, pagar os boletos e cuidar das coisas de casa.
Como tudo cansa, a união acabou por cansar-lhes também. O divórcio foi rápido, quase burocrático. Não houve brigas, nem confusões homéricas. Apenas uma decisão compartilhada de que a separação era o melhor caminho a seguir para ambos. A relação certamente não era mais a mesma, mas a amizade havia permanecido.
Uma coisa, porém, intrigava os filhos:
“Engraçado. Já notou que o papai fica triste quando a mamãe não vem buscar a gente?”, perguntou o filho para a irmã.
“E você já reparou que, toda vez que a mamãe fica nervosa com alguma coisa, ela fala no nome do papai?”, respondeu a irmã, concordando.
O ex-cunhado do casal entrava na onda e brincava:
“Eu acho que o Carlo e a Marina passam mais tempo juntos agora que estão separados do que quando estavam casados”.
Cinco anos se passaram e a rotina continuou mais ou menos a mesma. Nenhum dos dois arrumava um(a) namorado(a) e Carlo e Marina continuavam se encontrando, mesmo fora de ocasiões especiais. O relacionamento era tão amigável que quem não conhecia a história seria capaz de apostar que um estava dando em cima da outra, e vice-versa.
Mas, o que a vida separou, a Covid voltou a unir. Quando estourou a pandemia, a situação de desespero tomou conta do mundo inteiro. Com dois filhos ainda adolescentes, Marina e Carlo decidiram que iriam enfrentar a doença que vinha da China juntos. Não, não se tratava (ainda) de reatar o casamento, mas de compreender que, estando na mesma casa, poderiam sobreviver melhor ao mal que afligia o planeta.
A proximidade física, entretanto, foi fatal. Em pouco mais de dois meses de lockdown, os dois já estavam juntos de novo. Eles ainda tentaram esconder por um tempo, mas um flagra da filha mais nova foi capital para que ambos assumissem novamente o relacionamento para todo mundo.
Dessa vez, não houve noivado. Não houve sequer namoro direito. Após reatarem, no dia seguinte os dois já estavam planejando o casório no religioso. A cerimônia foi como Marina sempre sonhou: festão pra mais de 100 convidados, bolo, salgadinhos e bebida à vontade. De sua parte, Carlo ficou satisfeito por ter conseguido com que a missa do sacramento fosse celebrada por um padre amigo do casal.
Na semana seguinte, durante um churrasco, o cunhado de Marina ria-se contando o romance novelesco do casal a uma roda de amigos. Depois de ouvir a história toda, um dos presentes perguntou:
“Mas como assim? O que foi que aconteceu?”.
“Pois é…”, respondeu o cunhado. “O divórcio não deu certo”.
E foi assim que o amigo descobriu que não só os casamentos podem dar errado; as separações também.