Com o escândalo dos descontos da aposentadoria no ar, talvez seja uma boa hora para abordar um tema que, depois de tantos anos, nunca foi abordado propriamente no Blog: a função econômica da Previdência. No fundo, trata-se de responder a uma simples pergunta: por que é vantajoso para os países construir um sistema de seguridade social que garanta uma aposentadoria os trabalhadores na velhice?
Muita gente defende, sem compreender inteiramente, sistemas como o chileno ou o chinês. No Chile, por exemplo, vigora um sistema de capitalização. Ao contrário do Brasil, onde existe um sistema de repartição (os trabalhadores da ativa contribuem para pagar os proventos de quem já se aposentou), lá vigora a lei do “cada um cuida do seu”. Cada cidadão faz uma poupança para si mesmo e, ao atingir os requisitos para gozar do benefício, passa a gozar da aposentadoria de acordo com o que contribuiu. Existem algumas exceções, mas, regra geral, esse é o modelo.
Na China “comunista”, o esquema é ainda mais radical. Simplesmente não existe sistema de aposentadoria pública. Se o sujeito guardou dinheiro na fase produtiva, beleza. Se não, lascou-se. Não por acaso, a China exibe uma das maiores taxas de poupança interna do mundo (45% do PIB, quase o dobro do Japão, por exemplo). Ninguém quer ficar velho e morrer de fome.
Mas como a organização de um sistema de previdência pública ajuda a dinamizar a economia? Não significa só mais gastos para o Governo e, portanto, para todo mundo ?
À primeira vista, a resposta parece óbvia. Se houver um sistema de previdência pública, o Governo vai gastar mais. Gastando mais, alguém terá que cobrir essa conta. Como o Governo não sobrevive só de imprimir dinheiro (o que causa inflação), essa grana tem de vir dos pagadores de impostos. Logo, seria melhor deixar cada um cuidando da sua reserva para a velhice. À segunda vista, porém, a coisa é bem mais complicada do que parece.
Imagine acordar um dia e descobrir que, além de pagar contas, trabalhar e planejar férias, você também precisa guardar uma fortuna para não passar fome depois dos 60 ou 70 anos. Assustador? Pois é. A previdência pública existe, portanto, para evitar que a terceira idade se transforme em um reality show de sobrevivência. É ela que permite transformar um futuro incerto em um plano de pagamento fixo. Saber que, mesmo após os 60 ou 65 anos, você receberá um salário mensal é como ter um seguro contra a síndrome do “E se eu viver até os 100?”. Sem esse sistema, as pessoas seriam obrigadas a guardar cada centavo como se estivessem preparando um bunker para o apocalipse zumbi. Resultado? Ninguém gastaria dinheiro em nada além de arroz, feijão e latas de sardinha.
É justamente por isso que organizar um sistema de previdência pública dinamiza a economia. Quando as pessoas têm segurança, elas consomem mais. Em vez de enterrar dinheiro no jardim (ou em investimentos ultraconservadores), elas compram geladeiras, viajam, frequentem restaurantes e dão presentes aos entes queridos. Essa movimentação financeira mantém empresas ativas, gera empregos e faz a economia girar.
Para além disso, os aposentados configuram peça-chave na economia. Graças à aposentadoria pública, milhões de idosos nas pequenas cidades do interior mantêm, além do poder de compra, a economia dos municípios menores rodando. Isso significa que farmácias, planos de saúde, mercadinhos e até cinemas continuam recebendo clientes fiéis.
Sem a previdência, muitos idosos dependeriam exclusivamente da família, sobrecarregando os orçamentos domésticos de quem também deveria usar o dinheiro para consumir. Em vez de comprar gastar grana com a educação dos filhos, eles estariam pagando conta de remédio. Em vez de gastar com lazer ou viagens, estariam preocupados em estocar recursos para fazer frente às necessidades dos pais. A previdência pública, portanto, funciona como um “divisor de águas” econômico: ela libera gerações mais jovens para gastar com outras coisas, enquanto “salva” a geração anterior da miséria.
Em resumo, a previdência pública não é só um salva-vidas para idosos; é um motor econômico. Ela transforma o medo do futuro em consumo no presente, reduz custos sociais e distribui oportunidades. Claro, como todo sistema, esse também precisa de ajustes (ninguém quer trabalhar até os 75 anos ou ver o governo desperdiçar recursos). Mesmo assim, é muito melhor, tanto do ponto de vista social quanto econômico, ter uma previdência pública do prescindir dela. Isso, claro, não elide a responsabilidade de quem comete malfeitorias com o dinheiro dos velhinhos.
Isso, porém, é tema para outro post…