A despedida de Francisco, ou Para que lado vai a Igreja Católica?

É triste, mas é verdade.

Tendo trabalhado literalmente até o último dia de sua vida, o argentino Jorge Mario Bergoglio – que entrará para a história como primeiro Papa Francisco da Igreja Católica – nos deixou nesta semana. Parece até que a partida foi combinada com os céus, considerando que Francisco foi ao encontro do Senhor no dia seguinte à Páscoa, depois de uma aparição surpresa na Praça de São Pedro para saudar a multidão.

Nos doze anos de seu papado, Francisco a todo tempo serviu como verdadeiro testemunho da fé cristã. A recusa aos símbolos mais ostentatórios da sua condição de monarca – os trajes imperiais, o anel de ouro do Pescador, os imensos aposentos papais – eram apenas o exemplo mais emblemático daquele argentino forjado jesuíta, compromissado até a medula com a defesa dos pobres e dos marginalizados. Ao contrário dos influencers da modernidade, Francisco não era uma imagem cuidadosamente manipulada para projetar o que não era. Pelo contrário. Até nas brincadeiras mais triviais – “o Papa é argentino, mas Deus é brasileiro” -, a mensagem que Francisco transmitia com suas ações pareciam reflexo exato do que aquela santa alma carregava por dentro.

Como esperado, os novos “hábitos” de Francisco não foram muito bem recebidos por uma burocracia eclesiástica acostumada desde sempre à pompa e à ostentação. Cada gesto de simplicidade do Papa parecia um tapa na cara da cultura de privilégios que a Cúria Romana cevou com bastante carinho por séculos de encastelamento dentro das fronteiras do Vaticano. “A Igreja não precisa de imperadores, mas de servos”, disse Francisco logo após assumir o trono de Pedro. Difícil engolir semelhante “doutrina” para quem se acostumara a rituais nababescos que fariam corar os antigos sheiks árabes.

Há uma lenda segundo a qual Stalin, numa reunião com o então ministro das relações exteriores da França, Pierre Laval, teria desdenhado dos poderes do Vaticano ao indagar: “Quantas divisões tem o Papa?” Oitenta anos depois desse suposto episódio, Francisco parece ter compreendido a exata dimensão desse “ensinamento”. Sem armas de verdade na mão, o Papa somente consegue se impor e projetar poder pela força do exemplo. Com sua personalidade cativante e seus hábitos literalmente franciscanos, Bergoglio parece ter sido o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Se João Paulo II foi um peregrino incansável e Bento XVI um scholar com ares de filósofo, Francisco foi o responsável por resgatar a figura do Papa como uma autoridade moral no mundo, conferindo-lhe um prestígio que nenhum monarca secular jamais teria.

Com a força da sua imagem, o Papa não restringiu suas batalhas aos muros do Vaticano. Ficou famosa sua briga contra o muro erguido por Donald Trump na fronteira com o México, ainda em seu primeiro mandato. “Uma pessoa que quer construir muros e não pontes não pode ser dizer cristã”, atirou o Sumo Pontífice em direção ao Nero Laranja.

O “desplante” não passou despercebido pelo Laranjão. Logo depois de assumir neste mandato de agora, Trump nomeou como embaixador para a Santa Sé Brian Burch, presidente do grupo de advocacia política CatholicVote.org e um dos críticos mais ferrenhos ao “progressismo” de Francisco. O Papa, contudo, não se deu por achado. Nomeou como bispo de Washington Robert McElroy, notório defensor dos direitos dos imigrantes, alvo preferencial do Nero Laranja.

Como de hábito, à morte do Papa sucedeu o renascimento daquela curiosa figura da imprensa chamada de “vaticanista”. Variante italiana da nossa imprensa esportiva, os “vaticanistas” também são especializados em chutes. Já houve figura fazendo lista de papáveis com “apenas” vinte e dois nomes, com direito a mais seis “correndo por fora”. Isso é uma idiotice sem tamanho. Poucas coisas são mais difíceis de prever do que o resultado de um conclave. A máxima segundo a qual ” em um conclave, quem entra Papa sai cardeal” ensina há muito tempo que não há favoritos entre os prelados reunidos sob o teto da Capela Sistina.

Nem mesmo o fato de Francisco ter nomeado 108 dos atuais 135 cardeais aptos a votar é indicativo de coisa alguma. Bento XVI havia nomeado 67 dos 115 com direito a voto e o conclave de 2013 deu como resultado uma figura que poderia ser facilmente definida como oposição direta a ele. Pra piorar, Jorge Mario Bergoglio não figurava em praticamente nenhuma lista de papabili. Isso tudo para não falarmos do segundo conclave de 1978, quando um então desconhecido Karl Wojtyla quebrou uma sequência de meio milênio de papas italianos.

A fumaça branca da chaminé no topo da Sistina nos brindará com um papa que será uma continuação do legado de Francisco? Ou, ao contrário, elegerá um opositor a tudo que ele defendeu em vida?

Ninguém – além de Deus – sabe. Espera-se, apenas, que seu desejo de construir “uma Igreja pobre para os pobres” continue, seja quem for o escolhido pelo Sacro Colégio Cardinalício.

Oremos.

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