No Brasil das correntes de Zap, das bandeiras hasteadas em carros de luxo e dos discursos inflamados sobre “amor à pátria”, existe uma regra não escrita: quanto mais alguém grita “Brasil acima de tudo”, mais provável é que esteja prestes a vender o país por um punhado de likes. Tal é a sensação de quem observa o comportamento dos bolsonaristas após a imposição de tarifas de importação a produtos brasileiros por Donald Trump.
Para quem não sabe, o Nero dos nossos tempos resolveu aplicar uma tarifa de 25% sobre alumínio, chapas de aço e produtos metalúrgicos em geral exportados pelo Brasil aos Estados Unidos. Mesmo que a corrente de comércio entre os dois países seja largamente superavitária para os ianques, ainda assim o Brasil entrou de roldão no bolo das tarifas retaliatórias do Laranjão. Com dinheiro e, mais importante, empregos brasileiros em jogo, os “patriotas” da Bozolândia saíram em defesa de….Donald Trump.
Até aí, nada de novo. Jair Bolsonaro e sua trupe transformaram o “patriotismo” em um triste espetáculo de hipocrisia. E isso não é de agora. Quando assumiu como presidente, o primeiro lugar para o qual o ex-presidente se abalou foi justamente os Estados Unidos. Tal qual um fanboy diante de um ídolo de reality show – o que, ironicamente, não estava muito distante da realidade –, Bolsonaro sorriu e tirou fotos ao lado do seu “amigo”.
E qual foi a retribuição de Trump a esse espetáculo grotesco de tietagem explícita? Impor tarifas sobre a importação do alumínio brasileiro. O que faria um verdadeiro patriota diante de um escárnio desses? No mínimo reclamar, né? Bolsonaro, ao revés, preferiu manter-se em obsequioso silêncio, com receio de contrariar seu ídolo. O mesmo homem que acusa esquerdistas de “entreguismo” não titubeou em entregar nosso alumínio — e nossa dignidade — a um governo que enxergava o Brasil como mero fornecedor de commodities baratas.
Não espanta, portanto, que agora, quando o Laranjão volta a impor tarifas de importação contra produtos brasileiros, Bolsonaro venha a público defendê-lo. Ao ser questionado sobre seu “patriotismo” depois de mais esse ataque de Donald Trump ao país que supostamente ele defende, Bolsonaro – com todo seu “conhecimento” de economia – tuitou que os Estados Unidos estavam “taxando empresas estrangeiras, não o próprio país”.
Se o pai continua um mestre na arte da subserviência, o filho Bananinha, Eduardo Bolsonaro, elevou o nível da bajulação à décima quinta potência. Enquanto o Brasil tenta reconstruir sua imagem após os anos de negacionismo e ataques à democracia, o deputado federal decidiu fazer uma turnê pelos EUA para difamar as próprias instituições brasileiras. Sim, você leu certo: um representante eleito do Brasil viajou ao exterior – com despesas pagas pelo Congresso – para atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e qualquer órgão que tenha se insurgido contra os desmandos do desgoverno bolsonarista.
Em eventos ao lado de figuras da extrema direita americana — incluindo adeptos de teorias conspiratórias e negacionistas —, Eduardo transformou-se em um lobista da desordem. Seu discurso? Um mix de vitimismo, fake news e ataques à Justiça brasileira, apresentada como “ditatorial” simplesmente porque não se curvou aos interesses da família Bolsonaro. É como assistir a um filme de terror onde o vilão é o próprio protagonista, que sabotou a casa onde mora e depois culpa os bombeiros pelo incêndio.
O mais grotesco é que essa campanha de difamação ocorre em solo estrangeiro, alimentada por dinheiro público e apoio de grupos que desprezam a soberania nacional. Enquanto Eduardo acusa o STF de “ativismo”, ele mesmo pratica o ativismo mais sujo: o de quem mina a credibilidade do país lá fora para alimentar teorias fantasiosas sobre uma suposta perseguição. Supondo que houvesse de fato uma perseguição injusta aqui dentro, um patriota de verdade lutaria por reformas dentro das regras do jogo, não participando de conferências de teóricos da conspiração contra o “globalismo” e o “marxismo cultural”.
É nesse contexto que se conclui que o núcleo duro do bolsonarismo ama símbolos nacionais, desde que sejam vazios de significado. Bandeiras do Brasil são usadas como cortinas para esconder a falta de políticas públicas; hinos são entoados para calar críticos; verde e amarelo viram cores de um clubismo que exclui quem ousa pensar diferente. Mas quando a questão é defender interesses reais do povo brasileiro, a retórica patriótica se transmuta em claque para o Nero Laranja dançar.
No fundo, Bolsonaro e sua trupe transformaram o Brasil num reality show de hipocrisia, onde o enredo é sempre o mesmo: gritar “ame-o ou deixe-o” enquanto sabotam o que há de mais valioso no país. Resta aos verdadeiros patriotas — aqueles que trabalham, protestam e acreditam na democracia — limpar a sujeira deixada por quem confunde nação com ego e proselitismo político.
No século XVIII, o escritor inglês Samuel Johnson escreveu que o “patriotismo é o último refúgio do canalha”. Não contava ele, contudo, que o adágio seria complementado aqui no Brasil pelo genial Millôr Fernandes, que acrescentou:
“Mas no Brasil é o primeiro”.