Keeping up with your children

Os pais de Fernanda sempre foram chegados a cultura. Não qualquer cultura, mas a cultura clássica, que formou a base daquilo que conhecemos como “civilização ocidental” (favor não confundir com a “judaico-cristã” que rola na Bozolândia). Pintura, arquitetura, escultura, música… tudo aquilo que formasse o caldo que dá o tempero para uma formação sólida e rica em diversidade era objeto de interesse deles.

Quando Fernanda nasceu, era óbvio que eles tentariam passar o que tinham aprendido adiante. Ao invés de livrinhos de criança, Fernanda recebia livros de arte. Ao invés de contos infantis, livros sobre a mitologia grega. Tudo isso e mais aulas de física e matemática avançadas com o pai nas horas vagas.

Exatamente por conta disso, ao contrário da maioria dos casais de hoje em dia, ao viajarem para o exterior, Fernanda ia junto. Desde ainda bebê até o final da infância, a criança era literalmente levada a tiracolo pelos pais para viajar pelo mundo. Inglaterra, Espanha, Portugal, Alemanha, França… os destinos mais procurados pelos adultos em ritmo de Europa eram os preferidos para fazer com que a pequena começasse a se afeiçoar pelas artes. Intercalando visitas a museus com passeios em parquinhos, a programação de férias daquela família conseguia unir o melhor dos dois mundos, fazendo com que Fernanda tanto aprendesse quanto se divertisse em suas viagens.

Como não dá simplesmente para enfiar cultura goela abaixo de uma criança de seis anos, os pais de Fernanda adotavam técnicas variadas para entretê-la enquanto transmitiam conhecimento para a filha. Em um museu de ciências, por exemplo, o pai distraía a filha com prismas, enquanto ensinava pra ela a teoria das cores. A mãe, por sua vez, elaborava “histórias” para cada escultura avistada. Foi assim que “O Pensador”, de Rodin, transformou-se em um homem tentando se lembrar onde tinha deixado o caderno de anotações. A “técnica” tinha a vantagem de distrair a moça, ao mesmo tempo em que despertava a sua curiosidade para conhecer mais obras de arte.

Certa feita, aquela pequena família resolveu juntar as economias e viajar para Paris. Estando na Cidade-Luz – e considerando o background de todos ali – o Louvre parecia o destino natural de Fernanda e seus pais. Trafegando entre as diversas alas do museu, todos ali puderam presenciar as maravilhas da cultura universal, desde as múmias egípcias até as pinturas de Rembrandt.

Apesar de estarem espalhadas por quase todo o museu, na ala Denon estão a maior parte das esculturas presentes no Louvre. Nesse espaço, há salas em que só existem esculturas, sem nenhuma outra espécie de ornamento. É numa delas, por exemplo (“Galeria Michelangelo”), que é possível apreciar a inigualável Eros e Psiqué, do italiano Antonio Canova.

Como de hábito, ao lado do passeio pelas salas, mãe e filha divertiam-se construindo histórias fantasiosas sobre as esculturas. Tudo ia bem, até quando a família se aproximou de uma estátua em bronze. A mãe pergunta pra filha:

“E aí, Fernanda, qual é a história dessa escultura”

Ao que a criança imediatamente responde:

“Isso aí é Hércules cortando a cabeça da Hidra, mamãe”.

Pai e mãe se entreolharam em espanto. Como será que a imaginação daquela menina tinha ido tão longe?

Não bastava ter passado vergonha ao não identificar o tema da estátua. O pai estava em busca da humilhação:

“Tem certeza, filha?”, perguntou um incrédulo pai da moça.

No que foi prontamente atendido pela filha:

“Tenho sim, papai. É o segundo trabalho de Hércules: Hércules contra a Hidra de Lerna. A cada cabeça que ele cortava nasciam outras duas, até que ele cortou a cabeça do meio e enterrou. Aí a Hidra morreu”, respondeu tranquilamente a infante.

Os pais de Fernanda se aproximaram da estátua. De fato, a descrição da placa batia exatamente com aquela pronunciada pela filha, embora sem referência à ordem do evento na cronologia dos trabalhos de Hércules.

E foi assim que os pais de Fernanda descobriram que, para manter o ritmo com a filha, tinham que estudar muito mais a cada viagem…

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