De tédio a gente não morre.
Se há uma coisa que Donald Trump domina com maestria é a arte de transformar o debate público em um labirinto de caos e desordem. A tática batizada por Steve Bannon de flood the zone with shit — “inundar a zona com merda” — não é apenas uma estratégia de comunicação. É um verdadeiro manual de instruções para pretendentes a autocratas.
A idéia por trás do conceito é relativamente simples: saturar o espaço midiático com tanta desinformação, escândalos e contradições que o público, exausto, desiste de separar fato de ficção. O resultado? A verdade se torna um conceito relativo, e a democracia, um espetáculo de entretenimento. Enquanto o mundo se distrai discutindo se a última moda neofascista é uma jaqueta de couro ou um boné vermelho, os mestres do caos seguem inovando.
Enquanto a imprensa corre atrás de notícias sérias, o Nero Laranja lança um novo plot twist a cada tweet, como um roteirista de reality show escrevendo para uma plateia embriagada por tanta confusão. Quando, por exemplo, a denúncia da interferência russa nas eleições de 2016 ganhou os holofotes, o Laranjão poderia simplesmente ter optado pela discrição. Mas de que serviria a discrição se vivemos dentro de um grande reality show?
Ao invés de fazer isso, Trump e sua trupe transformaram cada dia das investigações em um episódio diferente de Black Mirror. Enquanto o Departamento de Justiça desvendava suas conexões obscuras, Trump acusava Obama – sem provas – de grampear ilegalmente sua campanha, anunciava demissões espetaculares via Twitter e, ao melhor estilo 5ª série, promovia debates com Kin Jong-Un sobre o tamanho de seu “botão nuclear”.
A imprensa, obrigada por dever de ofício a cobrir tudo, viu sua capacidade analítica ser diluída em um mar de absurdos. O público, por sua vez, acabou tão confuso que, mesmo após a conclusão da investigação, muitos ainda acreditavam que o relatório Mueller teria absolvido Trump (o que é falso).
Agora, mais uma vez sentado na cadeira mais poderosa do planeta, o Nero Laranja promove mais do mesmo. Com toda a pompa e circunstância, Trump anunciou a liberação dos canudos plásticos. Sim, é isso mesmo. Você não leu errado. Enquanto a Europa proíbe plásticos descartáveis e o Painel do Clima alerta para o agravamento das catástrofes climáticas, o Laranjão decidiu que o verdadeiro inimigo dos Estados Unidos são os canudos de papel.
A medida executiva, assinada com caneta de ouro, foi comemorada como uma suposta “vitória contra o politicamente correto ambientalista”. Enquanto a mídia debatia se canudos plásticos são mais higiênicos do que os de papel, o Nero dos nossos tempos aprovava a liberação de subsídios bilionários para empresas produtoras de combustíveis fósseis. O resultado? O Twitter virou um campo de batalha entre os “ecochatos” e os “patriotas do plástico”, mas ninguém reparou no cheque de US$ 20 bilhões do Laranjão para financiar perfurações no Ártico.
Bannon e Trump não inventaram a desinformação, mas a elevaram ao estado da arte. Sua tática é eficaz não por ser inteligente, mas por explorar um sistema midiático que confunde volume com relevância. Cada escândalo falso, cada teoria da conspiração, cada tuíte insano, é um tijolo em um muro que separa a política da realidade. Enquanto você discutia se o canudo deve ser flexível ou rígido, mais um ataque era desferido contra a segurança climática do planeta.
Flood the zone with shit: enlouqueça a platéia com manobras diversionistas até que ela passe a aceitar qualquer coisa como normal. Em um mundo no qual a verdade é tratada como “opinião”, o único farol que nos resta parece ser o olfato. É ele, afinal, que nos permite perceber que essa estratégia cheira a enxofre, lixo radioativo e tuítes deletados na calada da noite.
No dia em que a História vier a julgar esta era, será bom que ela traga um canudo longo o bastante para respirar no meio desse esgoto a que nos acostumamos a chamar de “debate público”. A zona já está tão inundada que até a História vai precisar de um respiradouro.