Quem é mais novo não sabe, mas houve um tempo em que conviver com a inflação era quase como conviver com a violência nossa de hoje em dia. Não que a inflação tenha desaparecido, mas o surto hiperinflacionário do final da ditadura militar até a implantação do real tornou o “Dragão da Inflação” quase um agregado do lar. Todo mundo o conhecia e, por mais que se tentasse evitar, ele sempre estava ali, dando as caras. Quem era mais rico conseguia se proteger aplicando o dinheiro no chamado overnight. Quem era mais pobre basicamente se lascava. Era neste último grupo em que estavam Heitor e Isabel.
Heitor, engenheiro recém-formado, começara uma espécie de estágio numa grande empresa estatal. Sonho da época, o emprego não era exatamente ruim, mas pagava pouco para quem estava no início da carreira. Apesar de descender de uma família rica, Heitor desde sempre se recusara a servir-se do bolso do pai. Com o orgulho do tamanho da sua inteligência, Heitor decidira que seguiria a vida com as próprias pernas, independentemente dos perrengues pelos quais passasse.
Isabel, por sua vez, casara grávida. Estudante da graduação, a barriga lhe obrigara a abandonar os estudos e seguir com o marido. Nascido alguns meses depois do casamento, o rebento do casal era forte e saudável, mas, como todo bebê recém-nascido, demandava atenção e cuidado até poder enfrentar sozinho as intempéries da vida.
Com todas as dificuldades, a vida daquela pequena família seguia. Dura, porém feliz. Entre os muitos planos do casal, estava o de fazer uma pequena poupança para o filho. Nada muito grande, até porque as condições financeiras não eram as ideais. Quase como algo simbólico, Heitor e Isabel compraram um cofre, daqueles em formato de porquinho, no qual depositavam os trocados das compras do supermercado.
Perto de completar um ano de quase confinamento, Heitor e Isabel resolveram que era hora de sair da clausura. Depois de tanto empenho e dedicação, um dia de folga parecia mais do que justo. Organizado o esquema de baby-sitter com uma irmã de Heitor, restava saber para onde eles iriam curtir a noite. Desacostumados com as baladas da juventude, ambos decidiram pegar leve: iriam ao cinema, para relembrar os primeiros tempos de namoro.
O problema? Era fim do mês. Com a grana curta, já não havia dinheiro para pagar as entradas para o filme. Só havia uma solução: quebrar o cofrinho do filho e contar as moedas para pagar os ingressos. Depois de alguma hesitação, o “saque antecipado” acabou ocorrendo, com a promessa de ambos de que, assim que pudessem, colocariam de volta o dinheiro sacado à poupança do filho.
Cofre quebrado, dinheiro no bolso, vão lá Heitor e Isabel em seu fusca a álcool para o primeiro vale night desde praticamente o casamento. Nem a fila enorme foi capaz de quebrar a sua alegria. Ao chegar ao caixa, contudo, veio a decepção. Como um balde de água fria jogado sobre suas cabeças, a atendente no caixa avisou que o preço do ingresso subira no dia anterior. As moedinhas tomadas ao filho não eram mais suficientes para pagar o cinema. Resignados, ambos voltaram ao carro e regressaram para casa.
E foi assim que Heitor e Isabel aprenderam que, em tempos de inflação, sempre convinha verificar o preço do ingresso antes de irem ao cinema…