Apocalipse trumpista, terceiro ato: E o Brasil no meio dessa história toda?

Chegando ao final dessa breve série especial do Dando a cara a tapa, você deve estar se perguntando:

“E o Brasil com isso?”

À primeira vista, de fato não haveria muito com o que se preocupar. Afinal, além dos milhares de quilômetros a separar Pindorama do Grande Irmão do Norte, os políticos americanos em regra estão pouco se lixando para o que se passa por aqui. Conhecido jocosamente em alguns círculos como “México do Sul”, o Brasil representa nada ou quase nada na política externa do Tio Sam. No máximo, é visto como maior país do seu quintal, a América Latina, tendo como capital a cidade de Buenos Aires.

Esse tipo de raciocínio costuma valer em condições normais de temperatura e pressão. Mas desde mais ou menos 2016 não vivemos mais nas CNTP. Depois de ver a tríade dos infernos Brexit-Trump-Bolsonaro dar as caras em sequência, seria de uma ingenuidade atroz olhar para o que acontece nos Estados Unidos e pensar: “ah, mas isso não vai acontecer de novo aqui”.

Descarte-se, por óbvio, a idéia de que o Laranjão venha a colocar Bolsonaro e Cia. Ltda. debaixo do braço. Por mais que o ex-presidente tenha se esforçado ao máximo para demonstrar absoluta subserviência ao Nero dos nossos tempos, é pouco provável que Trump venha a queimar pestanas com os BOs de Jair e sua trupe. Egocêntrico e narcisista, Trump só pensa em três coisas: nele, nele mesmo e, se sobrar tempo, nele mais uma vez. Na melhor das hipóteses, Bolsonaro poderia ser uma espécie de pinscher de Trump: um cachorro pequeno, impliquento, dividido entre 50% de ódio e 50% de tremedeira, mas alguma coisa que mais te incomoda do que com a qual se tem afeto.

Todavia, se é certo que Trump não moverá uma só palha para ajudar Bolsonaro a se livrar da cadeia, o fato é que seu entorno já prenuncia maus sinais para a democracia brasileira. De cara, tem-se Marco Rubio como Secretário de Estado. O senador da Flórida já demonstrou mais de uma vez seus pendores para o conflito ao criticar abertamente Lula e o STF. Tê-lo no posto-chave da diplomacia externa norte-americana é sinal claro de problemas pela frente.

Como se isso não bastasse, tem-se ainda o bilionário sul-africano Elon Musk curtindo uma de “Secretário de Eficiência Governamental” (seja lá o que isso represente). Já tendo um longo histórico de embates com Alexandre “Xandão” de Moraes no currículo, é improvável que Musk simplesmente queira deixar o assunto pra lá e não mexer mais com o Supremo, ainda mais depois de ser obrigado a engolir em seco a suspensão do Twitter por 30 dias aqui no Brasil. Musk vai voltar à carga novamente. É apenas uma questão de tempo.

Por isso mesmo, por mais que Trump esteja cagando e andando para os perrengues jurídicos de Bolsonaro, não se pode menosprezar a possibilidade de que ele “terceirize” essa função para seus ministros, Marco Rubio e Elon Musk à frente. Se por um lado Trump dificilmente fará pessoalmente algo contra o governo brasileiro, por outro é igualmente difícil imaginar que ele venha a desautorizar seus cães de guarda quando eles partirem para o ataque.

Para além das alegadas suspensões de vistos e algumas outras iniciativas contra a “censura” no Brasil, caso a ala terraplanista do governo Trump resolva chutar o balde, devemos estar preparados para coisas mais pesadas, tipo imposição de tarifas sobre as nossas exportações ou mesmo manifestações contrárias à “perseguição judicial aos patriotas”. Esse tipo de pressão vindo dos EUA tem tudo para ser reverberada em grau máximo nas redes insociáveis nacionais, cortesia do gabinete do ódio e seu ecossistema bolsonarista comandado por Carluxo.

“Está tudo perdido, então? Não há nada que possamos fazer?”

Muito pelo contrário. Se há uma coisa que a a história recente ensina é que o repertório da extrema-direita, por mais eficiente e poderoso que seja, é bastante limitado em seu leque. A gente, portanto, já sabe o que eles podem fazer. Cabe a nós estarmos preparados para responder à altura.

“Como?”

A primeira coisa a providenciar quando uma das partes quer brigar consiste, obviamente, em não dar pretexto para brigas. Lula ter declarado “apoio” a Kamala Harris antes da eleição, por exemplo, é um caso típico da escorregada que não pode ser mais permitida daqui pra frente. Se os Estados Unidos quiserem brigar com o Brasil, muito bem; mas não seremos nós quem começaremos a briga.

A segunda coisa é dispor desde logo do plano B. Caso o pior cenário se concretize (pressões diplomáticas e tarifárias indevidas), o Brasil deve estar pronto a dizer “Bye, bye, Uncle Sam“. Em um cenário de Guerra Fria 2.0, o Brasil pode muito bem ameaçar dar um pé na bunda dos americanos e ir se abraçar com a China. Tal medida não precisa sequer se concretizar, mas só a ameaça do movimento já deflagrará, por si só, um movimento dissuasório por parte da galera do dinheiro grosso por lá. Se tem uma coisa que americano não gosta é de perder dinheiro. E tem muita gente nos Estados Unidos com muitos intere$$e$ por aqui.

A terceira e última coisa que resta é provar que nós somos melhores do que eles. Ou, mais especificamente, nosso Judiciário responde melhor aos ataques democráticos do que o norte-americano. Bolsonaro já está inelegível e isso já é alguma coisa, mas está longe de ser suficiente. É preciso que o sistema de persecução penal comece a caminhar no sentido de processá-lo pelos inúmeros crimes dos quais é acusado.

Para tanto, devemos pressionar a Procuradoria-Geral da República para que promova as devidas denúncias aos indiciamentos já realizados pela Polícia Federal. Paulo Gonet tem que mostrar que não é uma versão mais elegante de Augusto Aras. Até agora, nada foi feito a esse respeito e Bolsonaro continua flanando por aí, como se fosse um agente político comum, e não um pretendente à Papuda.

Seja como for, a hora é de trincar os dentes e preparar-se para o impacto. Não adianta acreditar em moderação. Já vimos esse filme antes e sabemos como ele termina. O que podemos fazer dessa vez é tentar construir um final diferente. Já temos a expertise. Basta querer.

Yes, we can.

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