Trump está eleito. O que esperar da economia e do mundo nessa segunda Era Laranja que se avizinha?
Do ponto de vista macroeconômico, o analista menos propenso a tomar riscos se limitaria a dizer que o que nos espera a partir de 2025 é mais do mesmo. Quem acompanhou o primeiro mandato de Donald Trump na Casa Branca sabe bem o que isso quer dizer: menos impostos para os mais ricos, expansão monetária desenfreada e desregulamentação agressiva do mercado de capitais. É um erro, porém, achar que a coisa vai se resumir a isso.
Para além da aplicação do mesmo receituário que redundou na inflação que vitimou os democratas nessa última eleição, Trump já deu toda a pinta de que irá pisar no acelerador em algumas áreas antes tidas como inexpugnáveis pela classe política. É o caso, por exemplo, do Federal Reserva (FED), o Banco Central deles. Mesmo sendo responsável pela nomeação de Jerome Powell a presidente do FED, Trump responsabiliza-o em parte pela sua derrota na última eleição. Na sua mente distorcida, se Powell tivesse injetado mais dinheiro ou mantivesse os juros negativos por mais tempo, ele não teria perdido para Joe Biden.
Agora, Trump fala abertamente em acabar com a independência do Banco Central, demitir sumariamente Powell e colocar o FED debaixo da sua asa. Se ele vai conseguir fazer isso ou não, são outros quinhentos. Mas só o fato de essa idéia ser ventilada já coloca salseiro suficiente na gafieira do Sr. Mercado. Tendo em vista que um dos fatores que mantém o dólar com reserva financeira mundial é justamente a confiança de que o FED não se sujeita a pressões políticas, dá pra imaginar o tamanho da confusão caso isso realmente venha a acontecer.
Noves fora a economia, é na seara da política internacional que o mundo deve observar os piores efeitos da eleição do Nero dos nossos tempos. Se com a eleição de Joe Biden os Estados Unidos tinham sido trazidos de volta para o mundo, Trump já prometeu mandar o mundo ir se danar, pois o negócio dele é colocar America First.
De cara, pode-se imaginar que a guerra da Ucrânia tem data para acabar. Uma vez que a antiga república soviética só se mantém graças à ajuda externa, quando Donald Trump fechar as torneiras do auxílio norte-americano, Volodimyr Zelensky será forçado a negociar uma trégua com o Putin, o parça do Laranjão. Com isso, ficará entendido para o resto do mundo que uma nação mais forte pode invadir e tomar território de uma mais fraca, pois não haverá consequências para seus atos.
E é justamente aqui que entra o fator China. Uma das últimas disputas territoriais do subcontinente chinês encontra-se a 130km da terra firme. Ela atende pelo nome de Taiwan. Refúgio dos nacionalistas de Chiang Kai-Shek, a ilha atua na prática como território independente há mais de 70 anos. Mesmo assim, a China continental nunca se conformou com esse status e defende há anos uma reunificação rejeitada pela imensa maioria da população taiwanesa. Se não houve ainda invasão da ilha, parte disso decorre do pacto de proteção segundo o qual os Estados Unidos viriam em seu socorro caso isso acontecesse. Trump honrará esse acordo? Difícil acreditar que sim, ainda mais depois de ele ter entregado a Ucrânia – ou parte dela – de mão beijada para a Rússia.
Pior que isso mesmo, só a promessa de acabar com a Otan. Por mais que se diga que Trump não prometeu de fato acabar com a aliança do Atlântico Norte, no fundo é isso que acabará acontecendo se ele levar a cabo a idéia de “cobrar” pela proteção americana. Se a Europa não se afunda em um conflito fratricida desde o fim da II Guerra, parte disso decorre de que os países que a compõem deixaram de ser estimulados a promover uma corrida armamentista. Afinal, havia o “irmão mais forte” para garanti-los, caso a União Soviética viesse a se engraçar deste lado da Cortina de Ferro. Sem essa garantia, a Europa estará à mercê de Putin. Empoderados pela provável vitória na Ucrânia, os russos podem muito bem querer testar fronteiras mais a oeste. Quem haverá de impedi-los?
Os mais céticos dirão que o mundo pode muito bem andar sem os Estados Unidos dentro dele. É o mesmo dizer que um velocista poderá correr os 100m rasos mesmo que perca uma perna. Além de maior potência militar do planeta, os EUA respondem, sozinhos, por 1/3 do PIB mundial. Não existe a possibilidade de o mundo seguir a vida sem eles, como se nada tivesse acontecido.
A ausência dos EUA do panorama internacional aumenta, portanto, a incerteza global e deixa potenciais tiranos à solta para fazer todo tipo de atrocidade. E isso inclui tanto inimigos como Kin Jong Un, como aliados carnais, como Bibi Netanyahu. A eleição de Trump conduz, em resumo, a um mundo mais inseguro, mais instável e muito mais sombrio.
God help us.