Recordar é viver: “O fim da alternativa bolivariana”

Dez anos depois, a constatação inevitável de que o cenário da “Cuba 2.0” vai enfim se materializando.

É o que você vai entender, lendo.

O fim da alternativa bolivariana

Publicado originalmente em 18.2.14

Semana curta de volta ao batente, um monte de coisa na fila para falar. Na cabeça, dois fatos aparentemente distintos, masque, no fundo, têm a mesma raiz: o desmanche da Venezuela e a crise sem fim na Argentina.

Não faz muito tempo. Há pouco mais de dez anos, Hugo Chávez ressurgia em toda a sua glória depois de uma tentativa fracassada de golpe e a Argentina, depois de experimentar cinco presidentes em uma semana, parecia que tinha arrumado o prumo com Nestor Kirchner à frente.

Apoiado na alta do petróleo, Chávez implementou ainda com mais força suas políticas populistas. Ao sul do continente, Kirchner forçara a banca a engolir o maior calote público de todos os tempos, pagando menos de 20% do valor de face pelos títulos argentinos que os credores tinham nas mãos.

Eram tempos gloriosos para la izquierda latinoamericana. Os dólares jorravam na Venezuela e a Argentina, tendo conseguido forçar a troca de seus títulos, saíra tecnicamente da situação de calote. Os países ajudavam-se mutuamente, com Chávez emprestando o dinheiro que lhe sobrava aos Kirchner, e os Kirchner exportando gêneros alimentícios para a Venezuela.

Mas, como tudo que é sólido se desmancha no ar, a conta demorou, mas chegou.

Como todo o excedente comercial venezuelano era investido em compras supérfluas e em políticas populistas, ninguém se preocupou em utilizar pelo menos parte desse dinheiro na diversificação do parque industrial do país, restrito à indústria de petróleo. Para piorar, com o aparelhamento da PDVSA, até mesmo a galinha dos ovos de ouro os chavistas conseguiram matar; a produção de petróleo na Venezuela é hoje menor do que fora há dez anos. Isso mesmo sendo o país uma das três maiores reservas petrolíferas do mundo.

Do lado argentino, os Kirchner descobriram tardiamente que o mercado não tem escrúpulos, mas tem memória. Como ninguém até hoje engoliu o calote enfiado goela abaixo, a Argentina simplesmente não tem acesso ao mercado externo. Com a queda do preço de suas commodities, ficou cada dia mais difícil fechar o balanço de pagamentos. Sem dólares, não há como importar para fazer frente à demanda interna. Daí o estouro da inflação.

Ao invés de tentar resolver o problema, o governo Kirchner resolveu seguir o caminho fácil do populismo. Restringiu as compras externas, manipulou os índices de inflação e tirou da aposentadoria o já totalmente desacreditado congelamento de preços.

Se isso não bastasse, os poucos credores que não engoliram o calote de 2002 resolveram ir à justiça americana cobrar US$ 1,3 bilhão que entendiam devido. A Argentina já perdeu em todas as esferas e recorreu hoje à Suprema Corte tentando adiar uma derrotada tida como inevitável. Como não tem dólares para quitar essa dívida, quando isso acontecer, o país terá retornado oficialmente à condição de caloteiro internacional.

Pior mesmo, só na Venezuela. Além de atravessar os mesmos problemas econômicos pelos quais passa a Argentina, o líder máximo da revolução bolivariana se foi e o seu substituto, Nicolás Maduro, já deu provas suficientes de que não tem o menor jeito pra coisa. O país está em convulsão social há duas semanas e a única coisa que o governo venezuelano tem feito é remover os últimos resquícios daquilo que um dia se pretendeu uma democracia. A repressão só aumenta, a imprensa foi censurada e o principal líder oposicionista está ameaçado de ir à cadeia se sair à rua para protestar.

Para a Argentina, portanto, só resta a cartada de uma maxidesvalorização do peso, com consequências imprevisíveis para a já elevada inflação do país. Para a Venezuela, de duas, uma: ou Maduro cai por efeito da gravidade, ou radicaliza a “revolução bolivariana” e transforma a Venezuela numa Cuba 2.0.

Com seus dois maiores expoentes indo pelo ralo, é seguro afirmar que a idéia de um gobierno popular de izquierda, forjado em plebiscitos constitucionais oriundos de maiorias eleitorais recicladas, acabou. A combinação de práticas econômicas heterodoxas com populismo mais descarado acabou como sempre acaba: numa crise política decorrente de uma crise econômica.

Eis o novo velho panorama da América Latina.

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