Recordar é viver: “O balanço das Olimpíadas”

Como estamos a comemorar a abertura dos Jogos de Paris, talvez seja uma boa oportunidade para revisitar o que se passou aqui no Brasil, quando as Olimpíadas ocorreram no Rio.

É o que você vai entender, lendo.

O balanço das Olimpíadas

Publicado originalmente em 24.8.16

Não é segredo para ninguém a opinião a opinião deste que vos escreve acerca dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Na verdade, sou contra, por definição, grandes eventos esportivos mundiais que se destinam somente a enriquecer meia dúzia de dirigentes esportivos que supostamente trabalham pro bono, enquanto a maior parte da população é privada de direitos básicos, como saúde, educação e segurança de qualidades. Fazê-los em um país que amarga dois anos de contração econômica, com o Estado-sede em situação de calamidade pública e com epidemia de um vírus ainda não inteiramente compreendido pela Ciência só adiciona imprudência à extravagância.

De todo modo, as Olimpíadas passaram e, para felicidade geral da Nação, não houve incidentes de maior gravidade. É hora, portanto, de fazer um balanço dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.

1 – A abertura

Parece claro que a cerimônia de abertura das Olimpíadas foi o ponto alto da competição. Entregue às mãos competentes de Andrucha Waddington e à mente brilhante de Fernando Meirelles, o espetáculo de apresentação dos Jogos do Rio foi uma jogada sobretudo inteligente. Uma vez que não havia recursos para fazer uma super apresentação recheada de efeitos especiais ou piruetas tecnológicas, os idealizadores da cerimônia foram buscar no óbvio o que o Brasil tinha de melhor: a música, a miscigenação e a simpatia do povo brasileiro. O caminhar solitário de Gisele Bündchen ao som de Garota de Ipanema em um Maracanã silenciado pela beleza estonteante da modelo sintetiza o tamanho da elegância que a simplicidade carrega. Pode não ter sido a mais emocionante cerimônia de abertura da história das Olimpíadas (quem assistiu, diz que Moscou-80 foi melhor), mas não há dúvida de que o espetáculo carioca entra fácil em qualquer pódio que se faça sobre o assunto.

2 – A segurança

Houve assaltos, morreu um policial da Força Nacional de Segurança, mas o fantasma do terrorismo não deu as caras. Era evidente que não seria possível transformar o Rio em Copenhagen em matéria de segurança. O importante, porém, é que os terroristas não deram as caras pelo Brasil. Com tantos atentados espalhados pelo mundo e com o Estado Islâmico literalmente tocando o terror, o risco de algo semelhante no país atormentava a todos. Felizmente, nada aconteceu. Pode parecer pouco, mas com o histórico de Munique-72 e Atlanta-96 nas costas, a incolumidade das Olimpíadas brasileiras não deixa de representar um alento.

3 – O esporte em geral

A grande sacada das Olimpíadas é reunir uns 350 campeonatos mundiais numa competição só. Há de tudo: esgrima, natação, judô, atletismo, tênis de mesa, enfim… Uma série de esportes aos quais à maioria não dá a mínima atenção, mas que, de quatro em quatro anos, têm o seu lugar ao sol. No fundo, os Jogos representam a grande oportunidade para sairmos da mesmice do futebol, que monopoliza as grades de TV em 90% do globo (o que, aliás, torna incompreensível que se coloquem 11 contra 11 correndo atrás de uma bola em plenos Jogos Olímpicos, especialmente quando se considera que não são as seleções principais, mas deixa pra lá). Houve momentos emocionantes e verdadeira celebração do espírito olímpico. Quem assistiu à partida entre Djokovic e Del Potro no tênis deve entender do que estou falando.

4 – O esporte brasileiro

Brasileiro torce, grita, xinga, mas, no final, pra maioria o que importa é medalha no peito. Nesse quesito, à primeira vista, não nos saímos mal. Batemos o recorde de ouros e de total de medalhas, conseguindo nossa melhor colocação na história dos jogos. Algumas certezas decepcionaram (como o vôlei feminino), outras incógnitas surpreenderam (o vôlei masculino) e até mesmo de onde menos se esperava veio medalha (Thiago Braz, no salto com vara). À segunda vista, para a quantidade de dinheiro que se investiu, o resultado não foi exatamente auspicioso. No fundo, o grande problema reside em tentar reverter nossa mediocridade da base com investimentos boçais no topo. Essa política apenas perpetua nossa crônica deficiência na formação de atletas, além de servir de álibi para que dirigentes esportivos se perpetuem nos cargos, mantendo um estado de coisas que nos condena a esparsos brilhos individuais quadrienais.

5 – Conclusões

Para o desastre que se prenunciava, os Jogos do Rio foram um sucesso. Isso, contudo, não deve apagar os graves problemas envoltos no nosso país, especialmente em matéria de esportes. Continuamos a não ter uma política esportiva digna do nome, continuamos a ter dirigentes que se mantêm indefinidamente no poder sem querer prestar contas a Seu Ninguém e continuamos com todos os problemas que já tínhamos antes (recessão, crise política e emergência sanitária), adicionando-lhes agora mais alguns, em especial a destinação (e os custos de manutenção) das instalações olímpicas, nas quais se gastaram rios de dinheiro.

Em resumo, o Brasil provou ao mundo que é capaz de organizar qualquer evento esportivo de ponta. Mas a pergunta que fica é: a que custo?

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