O debate entre Trump e Biden, ou Make America Suicidal Again?

Foi duro. Foi embaraçoso. Foi constrangedor. Mas, por pior que foi, talvez tenha sido necessário. Tal é o sentimento de quem se dignou a assistir as duas horas de debate entre o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o ex-presidente a quem ele derrotou nas últimas eleições, Donald Trump.

Desde o ano passado, a impopularidade cavalar de Joe Biden era vista como principal motor da retomada da infame campanha Make America Great Again, do laranjão ex-apresentador de O Aprendiz. Arrostando pelo menos quatro processos criminais nas costas, a Trump não restava outra alternativa senão ir buscar na Casa Branca o refúgio para ideal para escapar da cadeia. Assim como outros líderes mundo afora (qualquer semelhança com um determinado país ao sul do equador não é mera coincidência), o que move Donald Trump a tentar voltar à sede do Executivo federal norte-americano é o desejo de escapar da cadeia.

É certo que boa parte da aversão do eleitorado a Joe Biden é injusta. Não há como se medir precisamente em que medida a inflação tem culpa nesse cartório, mas não há dúvida de que os preços elevados são o ácido que corrói a popularidade do atual inquilino da Casa Branca. Grande parte desse efeito inflacionário é resultado da maciça injeção de capital e do corte de impostos ocorrido durante o mandarinato de Trump. No entanto, como nem tudo na economia tem efeito imediato, a bomba só foi explodir agora, no colo do seu sucessor.

Ainda assim, os números econômicos apresentados por Biden são bem melhores do que os da administração anterior. A inflação está em queda, o PIB está em alta e o desemprego experimenta as taxas mais baixas da história. Como, então, explicar que Joe Biden seja tão rejeitado assim pelo eleitorado?

Bem, como tudo na vida, não há uma única explicação para esse fenômeno tão peculiar. Mesmo assim, pode-se especular que dois fatores pesam decisivamente nessa balança. O primeiro é o fato de que, por melhor que fossem as suas intenções, Biden jamais conseguiria cumprir a agenda de todo mundo – à esquerda e à direita – que queria se livrar do laranjão piromaníaco. O segundo, por óbvio, é a idade avançada do presidente norte-americano.

Mas não é exatamente a idade que faz de Biden um candidato fraco. Trump, por exemplo, é apenas três anos mais novo que ele. O problema é que, ao contrário do ex-apresentador de O Aprendiz, Biden dá seguidas mostras de que sua idade começa a afetar suas funções cognitivas. E isso é realmente preocupante.

Quem acompanha a política americana há algum tempo sabe que não são raros os episódios de “apagão geral” de Biden em eventos públicos. Não se trata somente de uma dicção atravessada, da qual pouco se pode entender às vezes, mas de casos verdadeiramente inexplicáveis, como o de Biden dando a mão ao vazio – quem sabe para apertar a mão de algum amigo imaginário -, ou de ele deixar que seus olhos se percam no horizonte, mirando o infinito, enquanto todos à sua volta dançam ou conversam entre si.

O que o debate da última quinta-feira fez, em última análise, foi “equilibrar” o jogo entre quem não acompanhava e quem seguia de perto os passos do atual presidente. É claro que, para quem não tinha idéia do que se passava, ver Biden balbuciando e travando em frente às câmeras foi algo como um choque. Mas, para quem acompanhou o último ano e meio da política norte-americana, o debate não passou de um compilado de “piores momentos” do octagenário candidato.

Não que o desempenho de Donald Trump tenha sido nenhuma maravilha, pelo contrário. Ele enfileirou mentiras e números aleatórios como está acostumado a fazer, esquivando-se a todo tempo de responder as perguntas incômodas que lhe eram formuladas. O problema era que, do outro lado do palco, não estava um debatedor propriamente dito, mas um velhinho de 81 anos, rouco e com dificuldades de concatenar raciocínio. Se Obama ou qualquer outro candidato minimamente em forma estivesse como oponente, Trump teria sido facilmente trucidado naquela noite.

Imediatamente após o debate, instalou-se um clima de barata-voa nas hostes democratas. Se em condições normais de temperatura e pressão já seria difícil para Biden bater Trump, depois do debate as chances de isso acontecer foram reduzidas a pó. Doadores, apoiadores, editoriais de jornais e até mesmo deputados eleitos já começaram a pedir que Biden, em um gesto de grandeza, abrisse mão da nomeação para deixar o caminho livre a alguém com mais chance de derrotar Trump.

A manobra radical, contudo, é difícil e arriscada. Primeiro, porque depende da boa vontade do próprio Biden. Com a maioria dos delegados já eleitos na convenção, ele é virtualmente o candidato escolhido do Partido Democrata, a menos que voluntariamente abra a mão do posto. Segundo, porque seria necessário escolher desde logo um substituto. Afinal, não faria sentido tirar o principal concorrente de Trump do páreo e deixá-lo flanando por dois meses na corrida presidencial, enquanto os democratas se engalfinham numa disputa fratricida pela indicação à presidência. Terceiro (e mais importante), porque ninguém sabe se, mesmo com outro candidato, seria possível bater Trump na disputa em novembro.

Obviamente, o melhor cenário seria Biden comprovar, de forma cabal, que o debate de quinta passada foi só um mau momento e que ele está plenamente apto, física e mentalmente, a disputar um novo mandato como presidente. Esse cenário, no entanto, parece ser o mais difícil de se concretizar. Dada a situação, os democratas fatalmente serão forçados a escolher um substituto para o atual presidente. Se mudar o candidato a essa altura seria um long shot, manter Biden como candidato seria um no shot.

Seja lá o que acontecer, todas as pessoas que possuem o mínimo compromisso com a democracia permanecerão os próximos meses numa longa e silenciosa agonia, com a respiração presa e o terço na mão. Afinal, não é somente o destino dos Estados Unidos que está em jogo.

É o destino do mundo inteiro.

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