Já que comemoramos nesta semana a Proclamação da República, vamos recordar um post de dez anos atrás, da sempre querida e tão maltratada História.
É o que você vai entender, lendo.
O Ato Adicional de 1834
Publicado originalmente em 19.2.13
Não é segredo pra ninguém que a História é uma categoria xodó deste que vos escreve. No entanto, já faz um bocado de tempo que ela não recebe atualizações dignas do nome. Pra ninguém pensar que, assim como os outros, o Autor também deixou o passado amargando o esquecimento, retomo com um tema tão interessante quanto esquecido pelos historiadores nacionais: o Ato Adicional de 1834.
Pela data, não é difícil recordar que ainda estávamos em pleno período imperial. Vivia-se na altura uma balbúrdia político-institucional maior do que a própria independência do Brasil. Depois de outorgar uma constituição e pegar meio mundo, Dom Pedro I abdicou do trono e bandeou-se de volta para Portugal, onde depois seria entronizado como Pedro IV. Seu sucessor constitucional – Dom Pedro II – era uma criança de apenas seis anos. Acéfalo, o país buscou uma alternativa.
A Constituição de 1824 previa que, em caso de minoridade ou impedimento do Imperador, a Assembléia Geral (Câmara e Senado) deveria eleger uma comissão composta de três membros (arts. 122 e 123). A essa comissão a Constituição dava o nome de “Regência”.
Por três meses, enquanto não se providenciava a eleição dos integrantes da Regência, o país foi governado por um representante dos chamados Moderados, um representante dos chamados Exaltados, e um militar de centro. Dada o seu caráter precário, essa primeira composição entrou para a História como “Regência Trina Provisória”.
Em julho de 1831, os tampões foram substituídos por uma trinca eleita pela Assembléia Geral. A “Regência Trina Permanente” deveria governar o país até que Pedro II alcançasse a maioridade e assumisse o trono. Em tese, tudo nos conformes.
Mas o Brasil ainda era um país em formação. Convulsionado por problemas econômicos e políticos de toda ordem, o país vivia um caos. Havia ameaças de sedição no Pará, no Maranhão e no Rio de Janeiro. Pipocara a sedição militar de Ouro Preto. Pra piorar, o país descobrira de maneira atrasada que, em todos os tempos, em todas as nações, quando se reuniam três cabeças para comandar um país, é porque não havia nenhuma que a governasse. Foi nessa hora que algumas das melhores cabeças do Império, como Bernardo Pereira de Vasconcelos, deram-se conta de que ou mudavam esse estado de coisas, ou o Brasil rapidamente se fragmentaria.
Junto com Evaristo da Veiga, Bernardo Pereira de Vasconcelos elaborou o Ato Adicional de 1834. O ato modificava radicalmente a Carta de 1824. A Regência, que era trina, passava a ser una. Permanente, a regência passsou a ser provisória, com mandato definido (quatro anos). Mais ainda. O regente não seria eleito pela Assembléia Geral, mas pelo sufrágio popular. Tudo bem que o voto era censitário, mas ainda assim se pode dizer que a população poderia escolher o seu representante máximo.
Mas as mudanças não pararam por aí. O Ato previu a criação das Assembléias Provinciais, com competências legislativas (embora limitadas), o que significava uma brutal transferência de poder político e autonomia às províncias. Como o regente não era imperador, o exercício do Poder Moderador fora colocado de lado. Executivo, Legislativo e Judiciário estariam livres da sombra da coroa real que pendia sobre suas cabeças.
Ora, se havia independência entre os poderes; se o Chefe do Poder Executivo era eleito por sufrágio popular; e se o exercício do poder era temporário, ainda se podia dizer que o Brasil era uma monarquia?
Era claro que não.
Pela primeira vez em sua história, o Brasil vivia uma experiência, a um só tempo, republicana e presidencialista. Mais do que isso, avançava-se na direção do federalismo, descentralizando-se o poder político, excessivamente concentrado nas mãos do imperador.
No entanto, muita gente poderosa ficou desconfortável com todas essas mudanças. No popular, ninguém queria perder a sua boquinha, ainda mais quando essa boquinha era representada por títulos de nobreza de caráter vitalício. Em um movimento conhecido por “Restauração conservadora”, monarquistas e interessados na manutenção do status quo articularam o golpe da maioridade, defenestraram o regente eleito e empossaram Pedro II, então com 14 anos, no trono de Imperador.
Como pá de cal, fizeram aprovar a Lei Interpretativa do Ato Adicional de 1834. De interpretativa, a lei não tinha nada. Em resumo, a lei revogava todos os avanços republicanos do Ato Adicional e restaurava a centralização do poder nas mãos do Imperador.
Demoraria quase setenta anos para que a população voltasse a escolher seu supremo mandatário. Entretanto, a república já tinha dado as caras por aqui. Só tinha sido provisoriamente colocada de lado.