Recordar é viver: “O Brasil no atoleiro, ou Teremos uma nova década perdida?”

Depois do piripaque generalizado no tal de “mercado” depois de mais uma fala desastrada de Lula, talvez seja uma bora hora para relembrar um post da metade da década passada.

Hoje, a “profecia” parece fácil de ter sido enunciada (embora à época sua evidência não fosse assim tão palpável).

Nosso grande drama, hoje, é evitar que o roteiro trágico da última década se repita agora, novamente, nesta.

É o que você vai entender, lendo.

O Brasil no atoleiro, ou Teremos uma nova década perdida?

Publicado originalmente em 12.8.15

A década de 80 foi um período extremamente curioso para o Brasil. De um lado, saímos de um longo período de exceção e começamos, ainda que mal e porcamente, a transição para um sistema democrático. No final daquela década, após quase 30 anos, o país voltava às urnas para eleger novamente o presidente da República. Do outro, tivemos que começar a lidar com o acúmulo de erros dos governos militares, que nos levaram à bancarrota em 84, à moratória em 87 e à hiperinflação a partir de 88. O “Milagre” da década precedente transformara-se em vinagre. E o crescimento raquítico dos anos 80 daria ao período o epíteto que marcaria toda uma geração: “década perdida”.

Em grande parte, a alcunha atribuída à década de 80 é injusta. Noves fora o fato de que país ganhou uma nova constituição e as artes – especialmente a música – experimentaram um fecundo período de exuberância, no qual surgiram a maior parte das melhores bandas de rock nacional, mesmo na economia o desastre não foi dos piores. Claro que despencar de uma média chinesa de 7% ao ano na década de 70 para perto de 2,3% nos anos 80 é baque pra ninguém botar defeito. Mas nos anos 90, por exemplo, a média foi ainda pior, em torno de 1,7%. Mesmo assim, a ninguém ocorreu chamar os estranhos anos 90 de “década perdida”.

Na virada do século, no entanto, o Brasil pareceu encontrar o seu rumo. Da estagnação do milênio anterior, saltamos para um crescimento constante de quase 3,5%, o dobro dos anos 90, série interrompida apenas pela queda de 0,2% em 2009, ainda no rastro da quebra do Lehman Brothers. O auge desse período foi 2010, quando, quatro décadas após o “Milagre Econômico”, o Brasil voltou a ostentar níveis de tigre asiático: 7,5%.

Daí em diante, o que se viu foi uma débâcle sem paralelo na nossa história republicana. Após muito bons 3,9% em 2011, o PIB começou a minguar sem freio: 1,8% em 2012, 2,7% em 2013 e 0,1% em 2014. 2015 já foi pelo ralo, e a grande dúvida é se vamos cair mais ou menos de 2%. 2016 vai no mesmo caminho, com várias previsões já dando conta de um segundo ano de contração econômica, algo que não se via desde Campos Sales. Ainda que o Governo consiga a façanha de evitar uma nova recessão no ano que vem, ninguém aposta numa recuperação vertiginosa. Na melhor das hipóteses, ficaríamos no 0 a 0, com a eventual retomada adiada para 2017.

A se confirmar esse prognóstico, chegaríamos à metade da década com ridículos 1,3% de crescimento médio do PIB. Para que alcançássemos a média enjeitada da “década perdida”, teríamos de crescer a partir de 2017 algo em torno de 4% ao ano, coisa que não vê desde o primeiro mandato de Lula. É possível? Teoricamente, sim. Mas é muito, muito improvável.

Argumenta-se, principalmente pelo lado do Governo, que a maior culpa pelo crescimento pífio reside na fraqueza da economia mundial. O argumento, contudo, não se sustenta. Depois da quebradeira 2008-2009, o PIB global cresceu, em média, 3%. Isso representa mais que o dobro do PIB brasileiro no mesmo período. Se não dá para culpar os outros, só resta nos voltarmos para os verdadeiros responsáveis pelos nossos fracassos: nós mesmos.

Deixando-se de lado as agruras políticas atuais – que, de resto, são uma constante no Brasil desde que Cabral aqui aportou com suas caravelas -, o grande problema do país hoje é de natureza fiscal: gasta-se mais do que se arrecada. Com isso, a dívida pública tende a crescer. Considerando que ostentamos a maior taxa de juros real do planeta, dá pra entender por que as agências de risco rebaixam, uma após a outra, a nota de crédito do Brasil.

Diz-se, com alguma razão, que não faz sentido rebaixar a nota do país se outras nações exibem dívidas públicas ainda maiores do que as nossas. O Japão, por exemplo, que ostenta triplo A em todas as três grandes agências de classificação de risco, tem uma dívida pública equivalente a 200% do PIB, enquanto o Brasil mal passou dos 60%. A questão, todavia, passa pelo ritmo de crescimento da dívida. Enquanto no Japão os juros beiram 0%, aqui caminhamos para quase 15% a.a. O que importa, portanto, não é somente o montante da dívida, mas sua trajetória e velocidade de crescimento.

Para quebrar esse círculo vicioso, o ministro Joaquim Levy tentou a saída clássica liberal: cortar despesas. O problema é que isso tem um custo político nem um pouco desprezível. Que o diga a presidente Dilma Roussef, às voltas com um Congresso conflagrado e uma taxa de aprovação popular inferior à taxa anual de inflação. Resta saber, portanto, se Levy terá fôlego e respaldo para levar o ajuste adiante. Mesmo que o consiga, as medidas tomadas pelo Governo só começarão a mostrar seus efeitos já no terço final dos anos 2010, muito tarde para salvar o PIB médio desta década.

A verdade – é triste dizer – é que, passada a exuberância econômica dos anos Lula, o Brasil engatou uma marcha à ré difícil de ser revertida. Parafraseando Marx, estamos arriscados a reprisar a tragédia dos anos 80. E, assim como o 18 Brumário de Luís Bonaparte, vamos repeti-la novamente como farsa.

Triste sina deste pobre Brasil…

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