Recordar é viver: “Decifrando as opções políticas”

Já que a história de voltar a comercializar sangue doado por voluntários, vamos recordar um dos posts mais antigos deste espaço.

Porque, a depender do posicionamento que você decida nessa matéria, querendo ou não você estará fazendo uma opção política.

É o que você vai entender, lendo.

Decifrando as opções políticas

Publicado originalmente em 24.5.11

Em outro post critiquei os chamados “empreendedoristas”, ou seja, os “políticos” que abandonam a política e se apresentam à população como meros gerentes de um grande supermercado. Naquele post, disse – e repito – que um cargo político deve representar uma opção política de quem vota. Vou tentar explicar, com um exemplo bem inocente, as implicações práticas do que quis falar: o caso das doações de sangue.

Em todo o planeta existem hemocentros destinados a recolher sangue daqueles que pretendem doar. É óbvio, por necessidade médica e até mesmo humanitária, todo governo tem uma política própria para angariar mais doadores e, com isso, tentar ao menos minimizar o sofrimento daqueles que necessitam de sangue. Para fazer isso, os governos geralmente têm de optar entre duas possibilidades: estimular a doação voluntária não remunerada, ou pagar para estimular as pessoas a doarem.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a doação é remunerada. O estímulo, portanto, é puramente financeiro: doa-se por dinheiro. Até aí, tudo bem, porque a doação continua sendo voluntária. Quem não precisa do dinheiro (não é nenhuma fortuna, algo em torno de US$ 25,00) e não quer doar, não doa.

No Brasil, ao contrário, a doação não é remunerada. O benefício, portanto, é somente o sentimento de fazer bem ao próximo por parte de quem doa. Estimula-se, entretanto, sentimentos mais nobres do que o mero interesse financeiro; a solidariedade, por exemplo.

Agora, suponha que você seja presidente. Você manda fazer um estudo para saber, percentualmente, o índice de doadores na população nos países que pagam pela doação e nos países que não pagam.

Se o resultado for, por exemplo, que o número de doadores nos que pagam é o dobro do que países que não a remuneram, você – como governante responsável – não deve hesitar: paguem-se as doações. Entre estimular a solidariedade e aumentar o número de doadores, mais vale garantir a saúde da população.

Agora, se o resultado for semelhante, ou seja, se a quantidade de doadores for igual tanto nos países que pagam como nos países que não pagam, a pergunta que se deve fazer é a seguinte: eu prefiro morar num país em que as pessoas doam sangue por dinheiro, ou num país em que o fazem sem nenhum retorno financeiro?

Eu sei que, diante de tantos problemas mais urgentes no país, é difícil ficar pensando em opções dessa natureza quando se vota em um candidato. Mas insisto: deve haver uma opção ideológica por trás dos dedos que apertam os números na urna eletrônica. Se não, daqui a pouco o horário eleitoral será substituído pelo Big Brother, e os candidatos concorrerão pelo grande prêmio no horário nobre da Globo, ao invés de o fazerem no horário eleitoral

Esta entrada foi publicada em Recordar é viver e marcada com a tag , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.