Sabe aqueles casais em que a desproporção de beleza entre os parceiros é tão grande que fica evidente para qualquer um? Esse era o caso de Esmerino e Carolina.
Ele, o típico sujeito bronco criado no interior. Avesso a badalações, vaidade zero, uma certa rudeza no trato e no olhar. A única coisa mais áspera que suas palavras eram suas mãos, ajudante que tinha sido do pai ainda menino, lavrando a roça no interior do Ceará.
Ela, ao contrário, era a típica princesinha da capital. Adorava sair à noite, sempre bem vestida e maquiada, com a delicadeza da pele harmonizando com a firmeza das curvas, sempre cuidadosamente mantidas com treinos diários de academia. O riso largo só não era maior que sua simpatia, que se sentia a quilômetros de distância, mesmo sem conhecê-la.
Por uma dessas peças que a vida gosta de pregar de vez em quando, quis o destino que ambos acabassem por se conhecer e se apaixonar. Uma vez que era difícil para o cupido unir personagens tão distintas em ocasiões socialmente aceitáveis, como uma festa ou mesmo na praia, restou ao jovem ser angelical com asas nas costas lançar suas flechas nos bancos da faculdade de Odontologia. Foi lá que os dois trocaram olhares pela primeira vez.
Depois de algum tempo, namoro consolidado, Esmerino já pensava em quando iria propor casamento à moça. Até mesmo sua aversão a encontros sociais parecia ceder passo à paixão por Carolina. Mesmo resmungando algumas vezes, Esmerino passou a acompanhá-la em todas as festas. Seu jeito rude, algo tosco, tanto no vestir quanto no se comportar, contrastava com a forma faceira com que Carolina desfilava sua beldade por onde passava.
Numa dessas ocasiões, no entanto, Carolina chamou a atenção de Fernando. Namorador incorrigível, Fernando era o tipo do cara para quem Carly Simon teria escrito You’re so vain. Convencido no nível da gabolice, Fernando olhou para o sujeito que estava do lado de Carolina e pensou: “Tá maluco?!? Essa tá no papo! Não tem o menor perigo de ela não querer trocar ele por mim!”
Sem ter noção do perigo, Fernando se aproximou de ambos e começou a puxar papo com Carolina. Ela, sempre simpática e sorridente, deu trela e começou a conversar alegremente com o estranho que se aproximara. Não que isso fosse motivado por algum desejo reprimido de deixar ou trair Esmerino; não, não, absolutamente. Era apenas o jeito dela de ser mesmo.
Contrariando as expectativas mais naturais, Esmerino assistia impassível a tudo. Nem mesmo a sua cara fechada poderia ser atribuída a algum descontentamento com aquele descarado que dava em cima da sua namorada ali, à sua frente, pois cara fechada era o estado natural da figura. Alguns minutos de conversa depois, Fernando resolve dar o bote:
“Você se importa de eu levar ela pra dançar comigo ali do outro lado?”, indagou Fernando na cara-dura.
“Não, não me importo”, respondeu secamente Esmerino.
Carolina, sabedora dos ciúmes do quase noivo, olhou para o namorado meio incrédula:
“Ué? Você não se importa?”
“Não, não me importo”, reforçou Esmerino.
Antes que Fernando pudesse comemorar e levar o objeto do seu desejo para salão de dança, Esmerino emendou:
“Só tem uma coisa, meu amigo: você leva, mas tem que ficar com ela. Porque, se você não ficar com ela, vai ter que ficar comigo”.
E foi assim que Fernando descobriu que, mesmo em casos do coração, é preciso ter cuidado com o que você deseja.