Na seara da economia, a discussão do momento gira em torno da apresentação do orçamento fiscal para o ano que vem. Segundo o planejamento anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Brasil deveria terminar este ano com déficit de 0,5% e nem míngua nem sobra no ano que vem, quando então a chave do rombo das contas públicas deveria virar para um superávit de 0,5% em 2025 e de 1% no ano (re?) eleitoral de 2026.
Fazer projeções qualquer frequentador de birosca faz, e há economistas (especialmente aqueles que participam da pesquisa Focus) que não se saem melhor do que mesmo os piores bêbados do bar da esquina. Ainda assim, quando o que está em jogo é a credibilidade do sujeito responsável por conduzir a economia de um país, a coisa muda de figura.
Quando Lula foi eleito, até os flamingos do Planalto sabiam que o teto de gastos estava morto e enterrado. Não que ele tenha sido grande coisa, que fique claro. Concebido de forma tosca ainda no governo Temer, o teto nunca teve sua eficácia como política fiscal realmente posta à prova. Ao assumir a gestão “liberal” do desgoverno bolsonarista, Paulo Guedes foi responsável, dentre outras coisas, pelas famigeradas PEC dos Precatórios e PEC Kamikaze, verdadeiros aríetes disparados pelos desejos eleitorais de Jair Bolsonaro contra a política fiscal do Governo. Isso desmoralizou por completo o teto como regra de contenção de gastos.
Sabendo disso, Fernando Haddad encarregou as melhores cabeças do seu time de colocar uma nova regra fiscal de pé. Visto com desconfiança pela esquerda e com franca antipatia pela direita, o novo ministro até que se saiu bem na tarefa. O desenho por ele proposto consegue atender a gregos e troianos, na medida em que estabelece uma meta bastante flexível de contenção de gastos, deixando para a proposta orçamentária anual estabelecer o tamanho do aperto a ser imposto aos ministérios do Governo.
No entanto, já na partida Haddad está sofrendo com o chamado “fogo amigo” dentro da esquerda petista. Com a cabeça no século passado, boa parte dessa galera ainda nutre simpatia por medidas jurássicas, como a idéia de que o Governo tem que gastar o que puder e o que não puder para “induzir” o crescimento. Daí a idéia de simplesmente abandonar a meta de déficit zero em 2024, para admitir um déficit entre 0,50 a 1%, a depender do gosto do freguês. Se isso já seria discutível em situações normais, que dirá em um país altamente endividado e com taxas de juros lunares.
Fora isso, toda a gente sabe o quão indisposto é o tal de “o Mercado” com governos petistas. É verdade que grande parte dessa má vontade vem das lembranças indigestas do governo Dilma Rousseff, que teve delírios de “Brasil Grande” com a tal “Nova Matriz Macroeconômica” e, no lugar de crescimento, entregou um país quebrado, enfrentando a pior recessão de sua história. Mesmo assim, é injusto comparar Dilma com Lula, que tem um histórico melhor até do que o tão celebrado (pelo Mercado) governo Fernando Henrique nessa matéria.
Talvez por isso mesmo, essa discussão ganhe contornos tão graves agora. Se Lula bancar a decisão de Fernando Haddad, mantendo a perspectiva de arrumar as contas pro ano que vem, a onda benfazeja que vem se observando ultimamente, com dólar e juros em queda e bolsa em alta, seguirá navegando em mares tranquilos. Salvo alguma marola incerta vinda de mares internacionais, o mais provável é que essa dinâmica de otimismo permaneça, com a galera do dinheiro grosso cobrando menos juros pra financiar o déficit do Governo e alguma folga para o pobre consumidor que paga, direta ou indiretamente, seus insumos em dólar.
Mas se, ao revés, Lula ouvir o diabinho que está sentado no seu ombro esquerdo a lhe assoprar no ouvido “Gasta mais! Gasta mais! Não tem como dar errado”, a porca vai começar a entortar o rabo de novo. Todo o trabalho que o ministro da Economia teve até aqui para construir a reputação do Governo nas praças financeiras irá por água abaixo.
Aí já viu, né? Dólar e juros pra cima, bolsa e consumo pra baixo, e a popularidade do Governo vai derreter tão rápido quanto gelo na chapa. Porque, como dizia uma propaganda de antigamente, confiança é que nem estilo:
Ou você tem, ou você não tem…