Os 100 primeiros dias do Governo Lula III

Pois é, meus caros.

Com um atraso regular de uma semana, o Blog retorna às suas atividades normais depois de um justo recesso quaresmal. E, para tirar a poeira deste pequeno recanto da Internet, vamos tratar da efeméride mais importante ocorrida nesse período: os primeiros 100 dias do terceiro governo Lula.

Como tudo na vida, há coisas boas e coisas ruins a se tirar de qualquer experiência. Não seria, portanto, diferente com a segunda reprise de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência. A questão a saber, contudo, é o que prepondera nesse balanço, isto é, se as notícias boas se sobrepõem às notícias ruins ou se, ao revés, as más novidades se sobrepujam às boas novas.

É fato que governo algum assumiu sob o espectro tão presente do golpismo a assombrar-lhe. JK tivera sua posse salva pela Novembrada, mas o contragolpe deflagrado pelo Marechal Henrique Teixeira Lott ocorrera quatro meses antes. Jango, que estava na China quando Jânio renunciou, poderia argumentar em sentido contrário, mas o golpe de 64 ocorreu quase três anos depois da sua posse. E, em nenhum dos casos, as sedes dos três poderes foram tão barbaramente vandalizadas como na Intentona Bolsonarista. Nesse contexto, os tristes episódios de 8 de janeiro marcarão para sempre a historiografia nacional, e não seria exagero afirmar que, assim como o dia 7 de dezembro de 1941 (ataque a Pearl Harbor), tal data viverá na infâmia.

De certo modo, porém, a tentativa frustada de golpe na primeira semana de governo permitiu ao governo Lula usufruir uma margem de manobra que ele talvez não tivesse em condições normais de temperatura e pressão. Ou alguém imaginaria possível Lula demitir o Comandante do Exército numa sexta à noite, deixando a transmissão do cargo para a segunda-feira seguinte, sem que com isso houvesse o risco de uma quartelada bananeira? É do plano institucional, pois, que vêm as melhores notícias nesses 100 primeiros dias.

Em pouco mais de três meses, Lula: restabeleceu o primado da ordem civil sobre os militares; iniciou o processo de despolitização das Forças Armadas (que está longe de terminar, diga-se); concedeu aumento real ao salário-mínimo (quatro anos sem); reajustou os vencimentos do funcionalismo (em alguns casos, sete anos sem); e retornou as condicionalidades (vacinação e frequência escolar) aos beneficiários do Bolsa-Família (criminosamente interrompidas pelo desgoverno Bolsonaro). Mais que isso, temos um presidente que não provoca uma crise institucional por dia visando a tornar-se ditador, além de homenagear a Ciência ao oferecer o braço ao vice para tomar a dose de reforço da vacina contra Covid.

É pouco?

Sem dúvida. Mas, sem esse pouco, não se chega ao muito.

Tudo são flores, então?

Longe disso.

Se no plano institucional os avanços – ou melhor: o desfazimento dos retrocessos – são visíveis e inegáveis, nas demais áreas as notícias não são nada boas.

Passados dois meses de transição, na qual dezenas de grupos reuniram centenas de pessoas para tentar organizar milhares de opiniões, tudo parece ter se perdido no vácuo etéreo ocorrido depois da posse. Numa bateção de cabeça que simplesmente não se explica para um sujeito que foi presidente por dois mandatos e um grupo que passou, no total, quatorze anos no poder, uma série de medidas que deveriam ter sido implementadas ou deixaram de sê-lo, ou foram submetidas a idas e vindas atabalhoadas por tweets desconexos de sua base de apoio.

Na Educação, por exemplo, o governo ainda não conseguiu decidir o que vai fazer com o novo ensino médio. Aprovado ainda no governo Temer, o novo currículo da garotada passou quatro anos entre Vélezes e Weintraubs (ou seja, no limbo). Chega o governo Lula e faz o quê? Passa três meses em silêncio e, na bica de vero bicho implementado, baixa uma portaria adiando a implementação por 60 dias. Pra piorar, enquanto a base do PT diz uma coisa (quer enterrar a mudança), o ministro da Educação, Camilo Santana, diz outra (quer colocá-la em funcionamento).

Tampouco da Política vêm bons ventos. Sem força para fazer frente a Arthur Lira na Câmara, Lula resolveu compor com a parcela do Centrão que não se perdeu no bolsonarismo. Nesse meio-tempo, entregou três pastas vistosas ao União Brasil, um aglomerado de parlamentares incapazes de rezar por uma cartilha única. Todavia, até o momento, não tem uma base para chamar de sua. Não por acaso, já se passaram mais de três meses e nenhuma, absolutamente nenhuma proposta legislativa apresentada pelo governo foi levada a votação na Câmara ou no Senado. Com os partidos de esquerda francamente minoritários, a situação no Congresso começa a ficar perigosamente exasperante para o Governo.

É da Economia, porém, que vêm as piores notícias. Após passar a campanha inteira vociferando contra o teto de gastos, até os flamingos do Alvorada sabiam que a política de contenção de gastos arquitetada por Henrique Meirelles estava com os dias contados. O que ninguém sabia é que o governo não sabia o que colocar em seu lugar. Foram necessários incríveis três meses para esboçar uma fórmula e colocá-la no papel, algo inaceitável para um governo que supostamente pretende fazer com que o Banco Central baixe os juros sem que seja na marra. Pior que isso, só o fato de Lula ter permitido a fritura pública de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela tal “ala política” do governo, capitaneada pela inacreditável Gleisi Hoffman.

Somadas umas coisas e outras, pode-se dizer que o balanço geral dos primeiros 100 dias de Lula III é neutro, tendendo para o negativo. Trata-se de uma situação melhor do que as dos 100 primeiros dias do desgoverno bolsonarista, por exemplo. Mas, se houve inequívocos avanços civilizatórios decorrentes da retirada de Bolsonaro e sua trupe do governo, outros pontos críticos continuam a incomodar, sem que o governo pareça ter um plano de vôo definido sobre o quê e como fará para remediá-los. Quanto a isso, em resumo, os primeiros 100 foram perdidos em intrigas palacianas e guerrinhas de poder entre as diversas alas do PT.

Há tempo para superar esses desafios?

Claro que há.

Mas haverá disposição para isso?

É o que os próximos 1360 dias irão nos responder…

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