Houve uma época em que fazer intercâmbio no exterior era sinal de status. A escassez dos voos para o exterior, o preço absolutamente proibitivo das passagens e uma moeda pra lá de desvalorizada limitavam o mimo às classes mais abastadas. Não que hoje as passagens sejam baratas ou o dólar acima de R$ 5 esteja em um nível convidativo, mas há de se reconhecer que as classes médias um pouco mais remediadas conseguem enviar seus filhos para estudar fora com menos sofrimento do que era há trinta ou quarenta anos.
O fato, no entanto, é que os intercâmbios para imersão linguística perderam muito da sua atratividade com a modernidade pós-internet. Atualmente, há uma gama praticamente infinita de possibilidades para aprender-se o inglês, por exemplo, escolha de 9 em cada 10 famílias: YouTube, professores nativos online, séries e mais séries na TV, streaming infinito e por aí vai. Mandando o papo reto: hoje, só não aprende inglês quem não quer; quem quer, basta dedicar meia horinha por dia que já não passará fome nas terras do Tio Sam. Maria Fernanda, contudo, insistia em ir pessoalmente ver de que material os gringos eram feitos.
Desde a escolha até a a data da viagem, a maior parte da família passou a operar em um esquema de bipolaridade. Havia dias em que a euforia tomava conta de todo mundo (“Você tá vendo?!? A Maria Fernanda vai pros Estados Unidos sozinha! Não tá uma moça?!?”) e havia dias em que batia o banzo geral (“Como é que vai ser a Maria Fernanda sozinha nos Estados Unidos?!? Ela é só uma moça, meu Deus do Céu!”). Conhecendo bem a família, Maria Fernanda tratou logo de deixar tudo contratado, assinado e – mais importante – pago, para que nenhuma desses episódios ocasionais de depressão coletiva pudesse fazer com que seus pais desistissem da empreitada.
E assim os dias foram se passando, com maior ou menor ansiedade, com pequenas ou grandes tristezas, até que chegou o bendito dia da viagem. No aeroporto, as cenas tradicionais de despedida: mãe e avó de óculos escuros para disfarçar as lágrimas, amigos se despedindo aos abraços e pai em silêncio, para não denunciar com palavras a sua apreensão.
O resto da família estava todo na mesma vibe, mas ali no canto, mantendo-se isolado dos grupos que se abraçavam como forma de consolo, uma exceção se apresentava em forma de desleixo. Um tio da moça assistia a tudo impávido, como se nada estivesse acontecendo. Se a aparente indiferença não bastasse, o sujeito – com seu jeito bruto de ser – ainda se meteu a censurar o choro alheio:
“Cês tão chorando por mói de quê, mesmo? A Maria Fernanda vai viajar, não vai morrer, não! Vocês parecem é que estão agourando a viagem da menina! Nam!”
Mãe e avó replicaram praticamente em uníssono:
“Mas como assim?!? É normal a gente ficar com saudade! Ninguém está torcendo contra a viagem, não!”
“Ah, é?!? Pois não parece!”, cortou rispidamente o tio insensível.
Ao observar a cena, uma tia de Maria Fernanda resolveu sair em defesa do choro alheio. Repreendendo o tio chato, resolveu bater abaixo da linha da cintura:
“Vem cá: tu não tem uma filha, não? Imagina só se um dia ela resolver fazer intercâmbio. Quero ver se você não ficar chorando na despedida dela no aeroporto, com saudade dela!”
“Eu não me preocupo sequer um segundo com essa possibilidade, porque isso nunca vai acontecer”, respondeu calmamente o insensível de coração.
“Como não?!? Quem garante que a tua filha não vai querer fazer intercâmbio quando chegar na adolescência?!?”, replicou em espanto a tia.
“Ela pode querer fazer intercâmbio, mas isso não será problema”, continuou o tio chato. “Se isso vier a acontecer, eu vou junto com ela. Simples assim”.
E foi assim que a família de Maria Fernanda descobriu que, mesmo em momentos de adversidade, é possível projetar o futuro…