Crônicas do cotidiano: Prioridades

Ana Cristina sempre foi muito vaidosa. Desde a mais tenra idade a miúda deixava-se cercar pelos cachos ondulados do seu cabelo, fazendo caras e bocas quando os adultos vinham por perto para mimá-la (um hábito comum a toda a gente). Se isso era rotineiro na primeira infância, imagina quando a moça chegasse à adolescência.

Foi justamente o que aconteceu com ela.

Com a chegada da puberdade, Ana Cristina passou a preocupar-se em demasia com a própria aparência. Embora não houvesse reparos a fazer na jovem, a leve flacidez da barriga (inescapável para quem não pratica exercícios), as famosas espinhas e até o fato de não ter o cabelo alisado como as amigas subitamente tornaram-se ponto de conflito entre ela e o espelho (e, consequentemente, entra ela e a família).

O problema do adolescente, como todo mundo sabe, é que eles sempre estão convencidos de quem sabem mais do que os outros.

“Mas minha filha, não há nada de errado com o seu cabelo! Pra que você vai alisar?!?”, perguntava uma incrédula mãe.

“Porque eu quero, mãe!”, respondia uma petulante infante.

Até aí, novidade zero, e não há família que não tenha tido de lidar, hoje ou ontem, com uma Ana Cristina para chamar de sua.

A busca pela vaidade, contudo, encontrava certos limites bem definidos. Afinal, não é porque a pessoa quer ter uma barriga tanquinho que vai abrir mão do seu hambúrguer ou do seu refrigerante no almoço (o final de semana corria por conta dos doces). Comer frutas e verduras, então, nem pensar! Mais fácil condenar a jovem a um autoexílio no Tibete do que convencê-la a variar o seu cardápio com opções saudáveis.

Certa vez, no entanto, Ana Cristina foi com os pais à casa dos tios. Como os pais expusessem aos tios os perrengues alimentares da adolescente, a tia paciente resolveu entrar no circuito. Descascando um caqui para seu próprio deleite, a tia resolveu arriscar-se na empreitada do convencimento:

“Ana Cristina, come esse caqui. Tá tão bom”, rogou a tia.

“Mas Titia, eu não gosto…”, respondeu de forma amuada a moça.

“Mas o caqui faz tão bem, Ana Cristina”, insistiu a tia. “Ele ajuda no emagrecimento, favorece a pele, aumenta a imunidade…”

Depois de um momento de reflexão diante de argumentos tão convincentes, Ana Cristina perguntou:

“Mas vem cá, Titia: ele tira espinha?”

E foi assim que a tia paciente descobriu que, mesmo no mundo adolescente, é possível estabelecer prioridades.

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