Especial semanal – Autópsia do bolsonarismo: Como superá-lo?

Chegando (com atraso) ao final deste especial semanal sobre o flagelo do bolsonarismo, a grande questão que fica rondando a cabeça de todo mundo é: como fazer para superá-lo?

Não se trata de uma pergunta fácil de responder, é óbvio. Afinal, são múltiplos os traumas que essa ideologia de caráter fascistóide causou ao país e aos brasileiros. Sem nenhuma pretensão de dar a palavra final sobre o assunto, parece claro que qualquer começo de caminhada para fazer com que o Brasil deixe para trás o pesadelo dos últimos quatro anos passa, necessariamente, por atacar o problema em três dimensões: 1) a legal; 2) a institucional; e 3) a pessoal.

Do ponto de vista legal, a coisa até que está caminhando bem. Contrariando nossa infame tradição de acomodações e anistias, o aparato estatal tem agido com razoável rapidez em diversos frontes. No TSE, por exemplo, o jogo está jogado, e a única dúvida é saber quando Jair Bolsonaro será declarado inelegível por conta dos diversos absurdos que produziu durante a campanha (a começar pela hedionda reunião em que convocou embaixadores para detonar o inexpugnável processo eleitoral brasileiro).

No lado criminal, Alexandre “Xandão” de Moraes já deu a letra e informou que apaziguamento é coisa de canalhas. As investigações sobre o 8 de janeiro seguirão adiante e é difícil saber onde vão parar (embora todo mundo tenha mais ou menos idéia de quem será apanhado nessa história). A única forma de impedir a repetição do flagelo é assegurar que todos os responsáveis sejam devidamente processados e condenados. Do contrário, estará aberta a porta para que um dia a coisa volte a ocorrer. Os golpistas de 1954/55 não foram punidos e deu no que deu. Os adoradores da ditadura militar continuaram a transitar, lépidos e fagueiros, pela mídia e pelo Congresso. E deu no que está dando.

Do ponto de vista institucional, a solução é razoavelmente simples, posto de implementação complexa. Os danos causados por Jair Bolsonaro e sua ideologia de poder foram grandes e de larga extensão no tecido das tais “instituições”, que, ao contrário do alegado por muita gente, sempre estiveram longe de funcionar a contento. Todo recanto do aparato estatal que pudesse, ainda que minimamente, causar embaraços ao ex-presidente e sua família foram objeto de assédio. Foi assim que instituições seculares como o Ministério Público e até mesmo o Judiciário deixaram-se partidarizar em busca das benesses oferecidas como contraparte por Jair e sua turma.

A primeira providência a tomar é instituir a obrigatoriedade da lista tríplice para Procurador-Geral da República. Não só isso. Acabar com a possibilidade de recondução ao cargo e impedi-lo, por pelo menos dez anos, de ser elegível ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. Quando Fernando Henrique Cardoso criou a figura do “Engavetador-Geral da República” e nomeou para ocupá-la Geraldo Brindeiro, todo mundo pensava que nada de pior poderia acontecer ao Ministério Público Federal. Augusto Aras provou que essa tese estava completamente equivocada.

Fora isso, há de se retirar do Presidente da Câmara o poder imperial de, sozinho, decidir sobre a vida e a morte dos pedidos de impeachment. Se Bolsonaro conseguiu fazer o que fez, grande parte disso deriva do fato de que Arthur Lira, por conivência ou conveniência, resolveu sentar em cima dos mais de 100 pedidos protocolados contra o ex-presidente. Para escapar dessa armadilha, o ideal seria admitir que, por iniciativa da maioria absoluta dos deputados, o processo de impeachment pode começar a caminhar. Acaba-se com o poder imperial do Presidente da Câmara, ao mesmo tempo em que se impede que uma minoria circunstancial possa detonar a bomba contra o Presidente da República.

O grande drama da superação do bolsonarismo, contudo, não passa nem pelo aspecto legal nem pelo aspecto institucional. Com maior ou menor grita, todas essas circunstâncias podem ser superadas misturando em doses certas diálogo e pressão de opinião pública. Se algo de bom pode-se extrair do 8 de janeiro é justamente a janela que foi aberta para que se reformem esses instrumentos capengas e fechem-se os furos institucionais que permitiram a Bolsonaro barbarizar impunemente o país por quatro anos.

Tudo isso, contudo, é de utilidade nenhuma para recompor as relações perdidas durante todo esse período. Como voltar a conviver com gente que defendeu até o último instante – e, em alguns casos, continua defendendo – tudo que Bolsonaro e sua trupe neofascista fez com o Brasil nesse quadriênio? Como perdoar e trazer para perto pessoas que, d’algum modo, esqueceram os conceitos de solidariedade, amor e compaixão ao passarem pano para a fome, a morte e o horror patrocinados pelo governo anterior?

E veja: ninguém está aqui a tratar de estranhos, pessoas que a gente encontra no elevador, dá “bom dia” e depois nunca mais vê. Estamos falando de pais e irmãos, tios e primos, amigos de ontem e de hoje. São pessoas que a gente aprendeu a gostar e amar a vida inteira, mas que, por algum motivo ignorado, acabaram se perdendo no emaranhado de fake news e manipulação de ressentimentos promovido pelo bolsonarismo.

Essa provavelmente foi a maior tragédia legada por Bolsonaro, porque divisões políticas o Brasil sempre teve, mas a higidez familiar nunca havia sido afetada – e de maneira tão profunda – por elas. O risco existencial para a democracia na última eleição acabou exacerbando uma atmosfera de polarização que já se desenhava pelo menos há uma década, embora a maior parte dos que rejeitavam Lula não conseguisse enxergar esse risco (a outra parte estava ciente e queria mesmo abraçar a ditadura, mas deixa pra lá).

Mas, enfim, como superar esse drama?

Humildemente, a resposta que eu tenho para tudo isso é “não sei”. Talvez um consórcio de sociólogos com psicólogos possa encontrar um caminho para nossa reconciliação. A única coisa que eu sei é que precisamos começar por algum lugar e tentar de algum jeito. Do contrário, daqui a quatro anos a ameaça pode voltar.

E aí só Deus sabe o que vai acontecer…

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