Era só o que me faltava.
650 mil mortos por Covid, a economia em frangalhos e o mundo à beira de uma guerra potencialmente desastrosa na Ucrânia, mas tudo que se fala no Brasil é sobre o agora famoso “caso Monark”. Eis aí mais uma contraprova irrefutável de que, ao contrário do que é espalhado por aí, a humanidade não caminha para a frente. Ao contrário. Nos últimos tempos, o mais comum é ela dar passos para trás.
Para quem não acompanhou o noticiário ou, como este que vos escreve, é do tempo em que Monark era apenas uma concorrente da Caloi, vale uma breve retrospectiva. Em um dos podcasts “televisionados” pelo YouTube mais famosos do país, um sujeito chamado Bruno Aiub, vulgo Monark, debatia com os deputados federais Tábata Amaral e Kim Kataguiri. “Debater”, claro, é força de expressão, porque tudo que não se faz em sítios dessa natureza é debater. No mais das vezes, há apenas boçalidade travestida de verborragia, em que os “entrevistadores” buscam algum assunto polêmico para “causar”. Ou, no português direto das ruas, excrementar algo gigantesco pela boca, “bombar” nas redes e depois sair por aí pedindo desculpas e dizendo que a besteira dita foi “tirada do contexto”.
Nesse caso em particular, em algum momento alguém achou uma “boa idéia” debater – veja você – a possibilidade de legalização do Partido Nazista no Brasil. Nos dizeres do concorrente da Caloi, os nazistas teriam direito a ter um partido pra chamar de seu, pois o cidadão teria “direito” (sic) a ser “anti-judeu”.
Para quem acompanha o Blog há mais tempo, o que aconteceu agora está longe de representar uma surpresa. Muito pelo contrário. Já aqui se escreveu há mais de dois anos sobre esta verdadeira praga de youtubers a proliferar pelo país. Quer dizer: o cara sai do nada, vai a lugar nenhum, e mesmo assim arregimenta uma legião de fãs simplesmente porque expõe seu preconceito/ignorância/boçalidade ao vivo e em cores através de um site televisivo. Espremendo-se o “conteúdo” do que essa galera fala, não sobra nada, ou, pior, sobra aquilo a que damos descarga quando terminamos de usar o banheiro. Trata-se da expressão máxima da glorificação da estupidez, uma verdadeira chaga dos nossos tempos.
Não é preciso ser nenhum gênio para entender que o que o Monark disse não foi somente “besteira”, na expressão vulgar do termo. Foi um verdadeiro crime, porque o conceito de nazismo embute, em si, a idéia de extermínio de uma raça, de uma ideologia ou de um credo. Conforme já se escreveu aqui neste espaço, direito nenhum é absoluto, muito menos a liberdade de expressão. Uma coisa é defender o direito de alguém dizer que as mulheres ficam bem usando calça saruel. É feio, causa estranheza, mas, no fundo, não causa mal a ninguém. Bem outra é defender a legalização do nazismo, quando todo mundo sabe os horrores que dele decorreram.
Haverá filósofos e intelectuais honestos a argumentar que, no limite, tudo pode ser discutido e nenhuma idéia ou opinião deva ser criminalizada. Sob esse ponto de vista, a exposição de uma idéia estúpida traria a derrocada por si mesma, funcionando no fim das contas de maneira mais eficaz do que a sua própria proibição. Haveria, no resumo infeliz de Monark, um “direito a ser idiota”.
O argumento, contudo, não se sustenta. Noves fora o fato de que um “direito a ser idiota” jamais poderia implicar a colocação de uma raça inteira em risco, a questão é que o nazismo foi criminalizado na Alemanha e proibido no Brasil justamente porque nós já sabemos que da sua exposição não decorre sua autodesmoralização. Pelo contrário. As idéias malignas, como os melanomas, nascem sem chamar muito a atenção e crescem despercebidas, como se não fizessem mal algum. Se não tratadas a tempo, alastram-se pelo organismo (ou pela sociedade) e acabam adoecendo o corpo (ou o país) inteiro. Nós já vimos esse filme antes. Não precisamos assisti-lo novamente para descobrir o que acontece no final.