Coisa das mais mal explicadas no Direito brasileiro é a questão da prisão preventiva. Entra dia, sai dia, sempre aparece no noticiário a informação de que algum figurão da política foi preso ou um meliante qualquer da nossa bandidagem comum foi ter com as grades da cela.
Vez por outra, no entanto, uma ordem de habeas corpus ou uma decisão superior acabam por devolver novamente o sujeito ao meio-fio. Quando isso acontece, invariavelmente o que fica para o cidadão comum é um sentimento de descrédito com o sistema judiciário, pensando que todo mundo no Brasil escapa impune?
Mas essa percepção é verdadeira?
Que a impunidade é uma praga que se alastra no país desde que Cabral aqui chegou com suas caravelas, não resta dúvida. Nesse caso particular, entretanto, arrisco-me a dizer que há um misto de ignorância e desinformação da grande mídia que contribuem para a falsa sensação de que o processo penal no Brasil não serve de nada.
O primeiro ponto para explicar essa controvérsia reside numa primeira explicação fundamental, quase intuitiva mesmo para quem é leigo em Direito: só “fica preso” quem foi “condenado”. Em termos simples, algo fácil de compreender. Em termos estritamente jurídicos, “ficar preso” significa “cumprir pena privativa de liberdade”; e “condenado” é somente o sujeito que foi “considerado culpado depois do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Obviamente, esse tipo de prisão fica restrito aos sentenciados em definitivo, cujas condenação não comportam mais qualquer recurso. Todavia, é evidente que, em determinados casos, não se pode esperar pela sentença definitiva para encarcerar o sujeito. Imaginem, por exemplo, deixar alguém como o “Maníaco do Parque”solto por aí. Claro que ele voltaria a matar jovens indefesas.
Pensando nisso, o sistema jurídico desenvolveu a chamada “prisão preventiva”, que nada mais é senão um encarceramento prévio do acusado antes que sua culpa seja formada em definitivo. Ela pode ser autorizada em quatro hipóteses:
a) garantia da ordem pública;
b) da ordem econômica;
c) por conveniência da instrução criminal;
d) para assegurar a aplicação da lei penal.
Traduzindo do juridiquês para o português, o que significam esses termos?
Começando pelo final, pode-se prender preventivamente o sujeito: se ele pretender fugir (garantir que, se condenado, vai cumprir a pena); se ele, por exemplo, ameaçar testemunhas (garantir que os seus depoimentos sejam tomados no processo); impedir danos à economia em geral (como ocorreu, por exemplo, no caso JBS); ou para “garantir a ordem pública” (uma expressão bonita na qual cabe o mundo e que, no fundo, confere ao juiz ampla discricionariedade para poder decidir sobre a prisão de alguém).
Entendidos esses detalhes, pode-se compreender por qual razão algumas prisões preventivas são revogadas, mesmo quando se está diante de um réu patentemente culpado. Se o sujeito foi preso preventivamente porque estava ameaçando testemunhas, quando a instrução do processo se encerra – e, com ela, a fase de depoimentos testemunhais – a prisão perde a razão de ser. Logo, o sujeito deve ficar solto e esperar a sentença em liberdade. Da mesma forma, se o sujeito foi preso preventivamente para evitar a reiteração criminosa (“garantia da ordem pública”), caso os crimes relatados na denúncia estejam distantes no tempo – cinco ou seis anos, por exemplo – a preventiva deve ser revogada.
Há muito mais nuances no meio dessa explicação sintética, é claro. Mesmo assim, acredito que pelo menos o leitor amigo poderá compreender melhor o noticiário, sem ficar literalmente preso às superficialidades que nossa grande mídia insiste em nos enfiar goela abaixo.