A educação sexual das escolas

Com algum atraso e deixando para trás a lacuna da semana passada (motivada por razões técnicas), voltamos à atividade normal aqui no Blog. Para reparar a falta, vamos falar sobre um assunto “da moda” – e que tende a ficar ainda mais “na moda” a partir de 1º de janeiro: a educação sexual nas escolas.

Pra quem vem de uma geração em que a “educação sexual” se resumia às lições de reprodução humana nas aulas de Biologia, o assunto pode gerar algum desconforto. Afinal, quem tem mais de 30 anos ou aprendeu o que era sexo “na marra”, ou então foi criado por pais profundamente liberais, mesmo para os dias de hoje, o que certamente constitui uma exceção à regra segundo a qual sexo é assunto proibido dentro de casa.

Talvez por isso mesmo, desde o final do milênio passado e com mais ênfase a partir da virada do século, as escolas começaram a introduzir em seus currículos, não necessariamente na forma de uma disciplina específica, a educação sexual como conteúdo obrigatório de ensino para os estudantes. A idéia era uma só: ensinar para prevenir. O quê? Gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis e – o que é mais importante – estupros e abusos praticados contra crianças e adolescentes.

Na verdade, quando se fala em educação sexual, não se está a tratar de “aulas práticas” de sexo em sala de aula. Os professores não ensinam poses performáticas para atos sexuais nem estimulam experiências grupais, por exemplo. Longe disso. Assim como ocorria nas antigas aulas de Biologia, o que se explica são os mecanismos de reprodução humana que, no início da adolescência, começam a pulsar no corpo dos jovens. A única diferença entre as antigas lições e as atuais talvez esteja na ênfase mais definida em aspectos sobre a própria sexualidade (noções sobre gênero, mecanismos de inter-relacionamento sexual, etc.). Mesmo assim, no essencial, a coisa continua a mesma.

Se é assim, por que tanto estardalhaço a respeito?

Obviamente, como parece ser moda hoje em dia, há muito de ignorância governando a discussão sobre o assunto. Arrimando-se em um fundamentalismo religioso inconsequente, que por vezes transborda para o fanatismo puro e simples, muita gente boa passou a enxergar na educação sexual nas escolas uma forma de depravação moral da juventude, de oficialização da esculhambação em sala de aula, de “doutrinação marxista”, ou coisa que o valha. No meio da recente histeria antipetista, o conteúdo ministrado em sala de aula chegou a ser associado diretamente ao partido da estrela vermelha, o que, além de ser equivocado (não há sequer regulamentação do MEC sobre o assunto), deturpa por completo uma idéia que deveria ser defendida com unhas e dentes pelos pais de família.

O que ninguém enxerga, por exemplo, é que, para uma criança que é vítima de abuso sexual desde a mais tenra idade, a educação nas escolas pode ser a única forma de ela se descobrir abusada e, a partir daí, criar coragem para denunciar o abuso. Dos quase 200.000 casos de abuso sexual ocorridos entre 2011 e 2017, quase 80% envolviam crianças e adolescentes. E, no caso das crianças, quase 70% dos abusos ocorreram dentro da própria casa, por pais, padrastos, tios ou parentes afins.

Sabendo de tudo isso, quem em sã consciência pode defender que “quem ensina sobre sexo é papai e mamãe”? Se o abuso ocorre dentro de casa, a quem a criança vai recorrer?Ao papai que abusa? Ou à mãe que muitas vezes é conivente com o abuso?  E isso – repare-se – para não falarmos dos problemas da proliferação de DSTs entre os mais novos e de um país que detém a nada honrosa posição de ser líder na América Latina em matéria de gravidez em adolescentes.

Parece evidente que a educação sexual nas escolas, antes de ser algo a ser combatido, é algo a ser defendido por pais e mães interessados em defender seus filhos contra todo tipo de mal. Obviamente, alguma forma de regulamentação é bem-vinda. Talvez seja o caso de se pensar em professores especificamente preparados para esse tipo de abordagem, que hoje depende basicamente da boa vontade de professores de Biologia e psicólogos do núcleo de apoio das escolas. Fora isso, é necessário universalizar o ensino, pois, na imensa maioria dos casos, a forma e o tipo de conteúdo ensinados variam conforme a escola na qual o seu filho esteja matriculado.

Não convém, contudo, nutrir muito otimismo quanto a isso. Como gosta de repetir o Ministro Marco Aurélio Mello, vivemos “tempos estranhos”.

E eles parecem que estão só começando…

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