Diz-se por aí, não sem alguma razão, que a música popular só deu realmente certo em três lugares: nos Estados Unidos, na Inglaterra e – tchan-nam! – no Brasil. É verdade que esse mote ignora a elegância da música popular francesa e a virtuosidade da italiana, isso sem falar na solene desconsideração de todo o panteão da música clássica, que vai de um lado ao outro do continente europeu. Mesmo assim, dada a projeção mundial que a música não erudita alcançou nesses três países, não seria de todo injusto dizer que o grosso da produção musical concentra-se em dois dos maiores países das Américas e na pequena ilha que insiste em se dizer não européia.
No Brasil, contudo, a maior parte da referência intelectual da chamada “MPB” concentra-se em basicamente três segmentos musicais, a saber: a Bossa-nova (com o trio-de-ferro Tom, Vinícius e Chico); o Samba (com seus inesquecíveis Noel Rosa, Pixinguinha, Cartola e tantos outros); e o Pop-Rock nacional (com toda a geração do rock brasileiro que explodiu nos anos 80 e a maior parte das bandas dos anos 90).
E quando se fala em “referência intelectual”, entenda-se: está-se a tratar daquilo a que as pessoas diretamente associam ao termo “MPB”. Ninguém, por exemplo, associa diretamente a Jovem Guarda à MPB, embora a associação seja quase imediata para quem entende de música. Mesmo movimentos-ícone da música popular nacional, como a Tropicália, ocupam lugar quase marginal nesse quesito, a despeito de estarem entre os mais ricos já produzidos por estas terras.
Mas, dentre todos os ritmos que compõem a inigualável fauna do nosso cancioneiro popular, me arrisco a cravar que nenhum é mais desprezado do que o valente Baião.

Baião
Nascido nas terras áridas do sertão nordestino, o baião é talvez a mais genuína expressão da alma sertaneja. Se o cordel é a expressão máxima de sua literatura e o bordado de renda a forma mais sublime de arte com as mãos, o baião retrata como ninguém a alma do povo sofrido do Nordeste brasileiro.
Filho de uma feliz união entre Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, o baião é possivelmente a mais original manifestação cultural já produzida no Brasil. Nem mesmo o samba, com toda a sua volúpia, consegue batê-lo quando a matéria é originalidade na composição das canções. Enquanto o samba recorre a instrumentos largamente utilizado em outras paragens, como o violão, o pandeiro e o bumbo, o baião recorre a instrumentos pouco conhecidos e até mesmo ignorado em algumas partes do mundo. É o caso, por exemplo, do triângulo, da viola caipira e da sanfona. Se é difícil por vezes encontrar algum destes em um recital qualquer, que dirá vê-los todos reunidos a produzir o mesmo sim.
O “parto”, por assim dizer, do ritmo dá-se com a música que lhe dá o nome: Baião.
Outras, claro, se seguiram à precursora do movimento. É o caso, por exemplo, de Qui nem Jiló e de Juazeiro.
E, claro, nenhum post sobre o baião se poderia dizer completo sem lembrar o hino nacional do Nordeste, a canção que melhor espelha da ponta do pé ao fio de cabelo a dura realidade do sertão: Asa Branca.
Obviamente, o baião não se resume a Luiz Gonzaga. Depois que o “Rei” abriu as portas, vários outros seguiram suas pegadas, com sucesso, se não igual, pelo menos semelhante ao pernambucano de Exu. É o caso, por exemplo, de Sivuca e Carmélia Alves, dois dos maiores músicos que este país já conheceu.
Fica então, pois, o convite para que você diversifique sua trilha sonora e incorpore um pouco da alma nordestina ao seu quotidiano. Acredite: você não irá se arrepender.