A Copa “flopou”?

Quatro anos depois, mais uma Copa do Mundo de futebol se avizinha. Assim como estamos sendo apresentados a uma quantidade assombrosa de “craques” desconhecidos, fomos também apresentados a um neologismo desses tempos de Internet: “Flopar”.

Pretendente a verbo intransitivo, “flopar” é um anglicismo descarado do verbo to flop, que significa “fracassar”. No caso do brasileirismo cibernético, o verbo guarda a mesma acepção original, embora também seja usado na variante “não fazer o sucesso que se aguarda/espera”. E a pergunta que todo mundo está a se fazer agora é: a Copa “flopou”?

À primeira vista, a pergunta não faz sentido. Afinal, não houve sequer o apito inicial da primeira partida da competição, um “clássico” entre a “poderosa” esquadra russa e “temível” seleção da Arábia Saudita. Logo, é no mínimo precipitada a dúvida sobre eventual sucesso ou fracasso da competição.

À segunda vista, no entanto, a pergunta faz todo o sentido. Potencializando um fenômeno que já se desenhava desde a Copa passada, o brasileiro parece dar pouca ou nenhuma atenção ao evento. Salvo o interesse generalizado pelos feriados que serão decretados, pouca gente sabia em quais dias a seleção jogaria. É como se a chegada da Copa fosse algo tão desimportante quanto a previsão do tempo publicada nos jornais. Há quem veja, mas a maioria não dá a mínima pra ela.

Como se chegou até aqui? Como a outrora autointitulada “Pátria de Chuteiras”, maior celeiro mundial de craques da bola, que se vestia a rigor com enfeites nas ruas, bandeirinhas nos carros e camisas da seleção nos ombros, transformou-se nesse poço de indiferença à sua maior paixão?

Obviamente, não há uma explicação única para o fenômeno. Algumas pistas, contudo, parecem evidentes.

A primeira delas passa pelo descrédito da Fifa, da CBF e de qualquer outra organização relacionada à organização do futebol. Com boa parte dos seus dirigentes afastados por corrupção, a Fifa tornou-se epicentro de escândalos dos quais sempre se suspeitou, mas que jamais haviam sido comprovados. A investigação conduzida pela Justiça Americana trouxe a lume a sujeirada que João Havelange, Blatter e Cia. Ltda. perpetraram em quase quarenta anos de mandarinato futebolístico.

Se isso não fosse o bastante, foram levados de roldão nessa história quase todos os ex-presidentes da CBF, de Ricardo Teixeira a José Maria Marin, que desfrutou por algum tempo a hospitalidade da cana norte-americana e hoje desfila por Nova Iorque portando uma elegante tornozeleira eletrônica de última moda.

Pra piorar, nem mesmo a emissora responsável pelas transmissões dos maiores eventos futebolísticos no país (a Rede Globo) passou incólume ao escândalo de corrupção na Fifa. Há denúncias de corrupção praticada por seus agentes para conseguir favorecimentos na escolha da retransmissora em alguns dos mais importantes campeonatos organizados pela Fifa. Ainda que não tenham sido comprovadas até o momento, as denúncias lançam um pesado véu de suspeitas sobre o modo como são decididos os negócios no mundo da bola.

É evidente que o torcedor brasileiro, por mais alienado que seja, não consegue ficar indiferente a tudo isso. Não há paixão que resista a desilusões em série, ainda mais quando o país vive a ressaca da “Copa das Copas”, responsável por uma centena de escândalos investigados pela Lava-Jato e por um cemitério de obras prometidas para o evento que até agora não foram concluídas.

Fora isso, mesmo no âmbito puramente esportivo a coisa não anda lá essas coisas. É certo que a chegada de Tite trouxe novo ânimo a uma seleção traumatizada pelo 7×1, mas nem ele consegue resgatar o futebol como produto de alguma essência mágica da alma nacional. É tamanho o artificialismo e a marquetagem que se assenhoraram do esporte que hoje jogar bola até ajuda, mas tirar fotos no Instagram em um desfile de moda do patrocinador também.

No final das contas, a pergunta que se deveria fazer não era se a Copa flopou. O que todo mundo deveria estar se perguntando é: com tantas coisas jogando contra, como é que ainda há tantos brasileiros interessados em assistir futebol?

Eis aí mais um mistério a se juntar aos tantos deste mundo.

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