Sabe aquele aluno chato? Mas aquele fedelho mala, mala mesmo? Pois é. Bruno era assim.
Desde a mais tenra idade, o pivete não sabia o que queria da vida. Sem ter mais o que fazer, passava a vida a azucrinar a vida dos outros. Não satisfeito em fazer o terror dos professores, Bruno também enchia o saco dos colegas de sala, a ponto de ser excluído de praticamente todas as panelinhas (embora muitos o desejassem ver no fogo, mas isso é outra história).
Tanta era a aporrinhação causada pelo menino que, quando o colégio aparecia com alguma excursão para fora da cidade, os pais eram os primeiros a inscrevê-lo no tour. Não havia como culpá-los, é claro. Afinal, fosse quem fosse o casal responsável pela figura, é difícil sonegar-lhes um pouco de paz e quietude pelo menos por um final de semanazinho a cada três meses.
Já para o restante dos alunos, restava a tristeza. Aliás, o sentimento não era nem sequer de tristeza, mas de desolação, mesmo. “Putz! Acabou nossa alegria…”, pensava a maioria da classe. E o que é pior. Confinados em esquema semi-militar, a convivência com o sujeito tornava-se incontornável. Nem mesmo o tradicional gelo funcionaria muito, pelo menos não à vista dos professores, sempre dispostos a semear amizade mesmo em solo estéril.
A viagem começou na sexta, entrou pelo sábado e chegou no domingo. Durante todo esse período, Bruno não fez outra coisa senão aperrear o juízo de todo mundo. Mais alguns dias e era possível que alguém cometesse um infanticídio no grupo, já contando com a ressalva da inimputabilidade da idade. Felizmente, no domingo à noite o ônibus tomou o caminho de volta para a cidade de origem.
Como a viagem era longa, paradas durante o trajeto eram não só esperadas, mas até mesmo desejadas. Seja para ir ao banheiro, seja para comprar alguma lembrancinha para a família numa daquelas feirinhas de beira de estrada. Foi justamente numa ocasião dessas que Bruno veria sua vida mudar.
Depois de atazanar o ônibus inteiro durante a noite, o cortejo parou numa cidade do interior por volta das 5h da manhã. Além de abastecer o veículo, a idéia era que todo mundo tomasse café-da-manhã, esticasse os ossos e relaxasse para encarar a última perna da viagem.
Já de volta do restaurante, os alunos ainda sonolentos tentavam se ajeitar nas poltronas. A essa altura, Bruno já não tinha a quem aperrear. Foi quando ele viu pela janela um daqueles bêbados de rodoviária: sujo, maltrapilho, barba por fazer, um pedaço de pano numa mão e uma garrafa de 51 por terminar na outra.
O mala resolveu então encher o saco do bêbado. Presumindo que a cachaça derivasse de algum infortúnio amoroso – como na maioria dos casos -, Bruno começou a falar:
“Bêbo corno!”
Sem lhe dar atenção, o bêbado continuou sentado no chão, encostado numa pilastra da rodoviária.
“Bêbo corno!!!”, insistiu Bruno, falando ainda mais alto.
O bêbado apenas mexeu o pescoço, olhou de esguelha para o fedelho e voltou a ignorá-lo.
“BÊBO CORNO!!!”, berrou o mala, pra ver se o ébrio dava-lhe alguma atenção.
Foi quando então o bebum voltou-se para o ônibus e respondeu calmamente:
“Tenho culpa se tua mãe é rapariga?”
O ônibus inteiro veio abaixo numa explosão de gargalhadas.
E nunca mais Bruno voltou a encher o saco de quem quer que seja.