Recordar é viver: “Os gregos e a síndrome do auto-engano”

Agora que a Grécia mais uma vez se encontra à beira do calote, talvez seja conveniente recordar o primeiro post aqui publicado sobre o assunto. Escrito há quase cinco anos, ele parece tão verdadeiro quanto antes.

E os gregos, coitados, continuam sem encontrar uma saída para o labirinto em que se meteram.

Pobre Grécia…

 

Os gregos e a síndrome do auto-engano

Publicado originalmente em 30.6.11

Uma das características mais curiosas do ser humano é a capacidade – na verdade, necessidade – de auto-enganar-se. A verdade está lá, à vista, gritando na frente do sujeito, e o cara nada; prefere virar o rosto e acreditar em alguma ilusão qualquer. Berço da Filosofia, a Grécia parece estar se precipitando em algo parecido.

Depois de falharem ao implementar um “plano de austeridade”, o governo grego aprovou ontem outro plano para cortar despesas, demitir servidores e privatizar empresas. A velha e surrada receita liberal para “sair” de uma crise fiscal.

Primeiro ponto: ninguém acredita que, depois de terem negligenciado a implementação do “plano de austeridade” anterior, os gregos venham a cumprir o novo programa. Segundo ponto: o receituário liberal só beneficia, num primeiro momento, os credores da dívida grega, pois arrumam algum outro pato para receber seu dinheiro (no caso, os outros países europeus). Para os países submetidos ao tal “ajuste”, a perspectiva é devastadora: aprofunda-se a recessão, jogando-se o país numa depressão, justamente no momento em que é mais necessário crescer para diminuir a relação dívida/PIB.

Quem acompanha o blog deve ter visto os posts “Europa x Euro” e “A crise econômica portuguesa”. Pra quem não leu, ofereço desde já um resumo: o Euro é uma moeda destinada ao fracasso. “Por quê?” Dentre uma série de outras razões, porque a Europa não tem um governo único e, por conta disso, não tem uma política fiscal única; condições basilares para se ter uma moeda única. Operaram a união monetária antes da união política. Em suma: colocaram o carro na frente dos bois.

Hoje, num belíssimo artigo, José Luis Oreiro e Luís Carlos Bresser Pereira concluíram mais ou menos a mesma coisa: não há saída para a crise grega (www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-euro-por-bresser-pereira-e-oureiro#more). Obviamente com muito mais riqueza de detalhes e conhecimentos econômicos do que este que vos escreve, ambos explicam o equívoco do Euro e de como esse equívoco lançou a Europa na possivelmente mais grave crise econômica de sua história.

À diferença deste que vos escreve, Oreiro e Bresser Pereira vêem na crise uma oportunidade para que, enfim, a Europa avance na direção da formação de uma união política. Sem querer ser profeta do apocalipse, não creio absolutamente em algo semelhante, especialmente quando se considera que, em época de vacas magras, a Constituição Européia foi rejeitada por boa parte das populações dos países europeus. Hoje, tempo em que as vacas já morreram, acreditar que os governantes dos demais países europeus menos encrencados resolvam oferecer ao seu eleitorado uma união política com quem está com água pelo nariz é o mesmo que acreditar em boitatá e mula-sem-cabeça. Se tem algo em que político é especialista é na arte de sobreviver. Ninguém é chegado a haraquiri eleitoral. E propor algo do gênero seria o mesmo que propor um “abraço de afogado”.

O mais provável é que, mais hora, menos hora, a Grécia vá à bancarrota. Quando isso acontecer, vamos ter um verdadeiro barata-voa europeu, numa variação do ditado nordestino segundo o qual “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Cada um vai querer salvar o seu, e dane-se o resto. Ao contrário de uma salutar união política, assistiremos à fragmentação da Europa.

O que virá depois disso?

Não sei. Só espero que não venha o pior.

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