O Mal sob uma perspectiva religiosa

Voltando ao batente aqui no Blog depois de um prolongado e indesejado período de luto, vamos abordar uma seção que acabou esquecida por aqui nesses últimos tempos. Falo da Religião.

Como todo mundo sabe, há gente que acredita em Deus e gente que não acredita – ou que, de maneira enviesada, diz que “não pode provar que Ele existe ou não existe” (os tais agnósticos). Os ateus em geral costumam desancar os crentes de quaisquer confissões religiosas com argumentos pretensamente racionais. Afinal, o “Deus” dele é a “Razão”, e a “Ciência” é melhor método para demonstrá-la.

Um dos argumentos mais recorrentes nesse tipo de embate é o da “invocação do Mal”. A proposição é simples: Deus (seja ele qual for), por definição, é bom; logo, ele quer o bem de todas as criaturas sob seu jugo. Por que razão, então, Deus criaria o “Mal”, permitindo que as pessoas agissem contra a Sua vontade?

Não se trata, aqui, do “Mal” sob um sentido estrito. Na verdade, sob uma perspectiva puramente filosófica, não existe tal coisa como o “Mal”. Para quem o pratica, o “Mal” sempre será um “Bem” a seu ver. Isso é o que explica, por exemplo, políticos que mergulham na mais profunda sordidez dos arranjos mesquinhos, muitas vezes locupletando-se ou permitindo o locupletamento de outros, sob a justificativa de que estão em busca de um “bem maior”: o “bem do povo”.

Sob uma perspectiva estritamente religiosa, no entanto, o “Mal” adquire outra feição. Isso porque se parte de uma perspectiva externa, ou seja, de como Deus enxerga nossas ações, e não de uma perspectiva interna, isto é, de como nós mesmos qualificamos o que fazemos.

Nesse contexto, o argumento da “invocação do Mal” não é de todo desprezível. Afinal, a qualquer pessoa que acredite na existência de um Ser Superior sobre todos os demais parece estranho entender a razão pela qual Ele criaria coisas como homicidas, pedófilos e todo tipo de facínora que você possa imaginar. Se a idéia é reproduzir no plano terreno aquilo que Ele projetou para o plano divino, porque Deus permitiria que a miséria humana grassasse de forma impune pelo planeta?

A resposta quem nos dá é um dos maiores gênios que já passou pela Igreja Católica: Santo Agostinho. Tudo se resume, segundo ele, a uma das mais fantásticas obras da criação divina: o livre-arbítrio.

Em um livro datado de 395 d.C (De libero arbitrio), Agostinho fala do equivocado conceito de que, se Deus “tem um plano para cada um de nós”, estamos todos predestinados a ser alguém ou a fazer alguma coisa segundo a vontade d’Ele. Deus, como de hábito, quer de fato todo o seu rebanho reunido, ou seja, quer que todas as almas se salvem, ingressando no reino que Ele preparou para elas. No entanto, Deus não quer simplesmente acolher todo mundo que Ele criou automática e mecanicamente. Se todo mundo vai ao Céu no matter what, que graça – no sentido religioso – haveria nisso?

É por tal razão que Deus criou o Mal. Associado ao livre-arbítrio, a dualidade entre o Bem e o Mal permite ao homem escolher, por sua própria vontade, de maneira livre, se quer seguir o caminho divino ou se quer entregar-se aos pecados da carne. Isso implica dizer, por outras palavras, que Deus não está interessado em todo mundo; só quer no Reino dos Céus aqueles que voluntariamente quiserem ir pra lá.

A instituição do Mal, associada ao livre-arbítrio, permite concluir que, embora nosso caminho esteja “predestinado” segundo um plano divino, todos nós podemos decidir se queremos ou não o seguir.

A decisão, portanto, cabe a cada um.

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10 Responses to O Mal sob uma perspectiva religiosa

  1. Avatar de Henrique Henrique disse:

    Olá! Eu gostaria de ter um diálogo sobre isso, mas gostaria primeiro de esclarecer algo que impede-me de dialogar com outras pessoas sobre assuntos complicados: entendo que este post é a sua opinião a respeito do assunto; o seu objetivo é somente expor sua opinião ou você procura ter a opinião correta, e mudar de posição caso a sua atual não corresponda à realidade?

    • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

      É difícil discutir com base no pressuposto de que a sua posição já seria a “opinião correta”, Henrique. Publico minhas opiniões e, obviamente, estou aberto a críticas e a discutir pontos de vista diferentes. Mas só costumo fazê-lo com base em argumentos convincentes e bastante persuasivos. E, claro, se o interlocutor estiver disposto, como eu, a eventualmente aceitar o fato de que talvez eu esteja correto. Se você achar que esse é o seu caso, por favor fique à vontade para comentar. Do contrário, talvez seja melhor não abrir discussão. Um abraço.

      • Avatar de Henrique Henrique disse:

        Ok, acho que entendi. Só para esclarecer, não quero partir de qualquer pressuposto a não ser da valorização da dúvida como meio de descoberta.

        Parece-me que você advoga que o “Mal” é necessário para que o livre arbítrio seja exercido, pois sem a possibilidade de fazer o que é errado o certo não teria valor. É isso mesmo?

      • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

        Mais ou menos por aí, Henrique. Um abraço.

      • Avatar de Henrique Henrique disse:

        Entendo que o mal exista por causa do livre arbítrio, e praticamos o mal porque erramos. Mas pode o deus cristão praticar o mal, causando sofrimento desnecessário ou exagerado?

      • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

        Do ponto de vista estritamente teológico, Henrique, Deus não pratica o Mal. Logo, mesmo nos piores castigos, ele sempre pratica um bem. Não acho que isso invalida a idéia do divino, uma vez que os destinatários do “Mal” somos nós. E, a partir do livre arbítrio, podemos escolher se o praticamos ou não. Um abraço.

      • Avatar de Henrique Henrique disse:

        Se eu disser que do ponto de vista estritamente egocêntrico, eu não pratico o Mal, seria válido dizer que eu estou errado. Da mesma forma, não faz sentido você dizer que Jeová não pratica o mal por definição — neste caso, a Bíblia estaria errada.

        Por exemplo, quando a Bíblia narra o dilúvio de Noé (não estou dizendo que é histórico), ela diz que esse deus matou todos os habitantes da terra exceto uma família de uma das formas mais cruéis, afogamento — incluindo bebês. Tendo o poder para fazer o que via necessário de forma mais misericordiosa (morte instantânea, infarto, AVC, etc.), não seria esta uma prática maligna — mesmo que matar fosse o correto?

      • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

        No caso específico do Dilúvio, Henrique, lembre-se de que havia um propósito divino por trás dele (independentemente de o fato ter ocorrido ou não). A idéia seria “purgar” a humanidade de todos os males, cabendo a Noé repovoar a Terra. Portanto, sob uma ótica teológica, não se pode dizer que Deus praticou o Mal nesse caso. Afinal, a intenção seria dar à humanidade um fresh start. Um abraço.

      • Avatar de Henrique Henrique disse:

        Não estou dizendo que Jeová teria praticado o mal por “purgar” a humanidade, e sim pela *forma* pela qual ele teria feito. Como disse, ele poderia ter sido misericordioso, dando uma morte instantânea e menos dolorosa, mas ele escolheu (presumindo que ele teria livre arbítrio) não só matar todos como torturá-los no processo. O mal não estaria na morte, e sim na tortura. Os lugares que aplicam a pena de morte fazem isso (anestesia antes da injeção letal, por exemplo).

        Consegue entender a diferença?

      • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

        Entendo seu ponto de vista, Henrique. Mas, maldade por maldade, a destruição de Sodoma e Gomorra foi muito pior. Mesmo assim, não creio que tenha sido exatamente “maldade”. No fundo, creio que a destruição apocalíptica, seja no dilúvio, seja em Sodoma e Gomorra, serve de exemplo à humanidade daquilo que Deus pode fazer com quem não segue os seus mandamentos. No entanto, de novo, isso é uma perspectiva puramente teológica. Pode-se concordar com ela ou não. Não creio, contudo, que isso a invalide sob uma perspectiva estritamente lógica. Um abraço.

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