Brasília ontem estourou a champagne. Enfrentando um quadro recessivo, com aumento do desemprego, queda na arrecadação e a perspectiva de ver cortado do orçamento qualquer coisa entre R$ 70 e R$ 80 bilhões, o Governo comemorou como um gol em final de campeonato a série de acordos comerciais assinados com a China. Com a promessa de investimentos da ordem de US$ 53 bilhões, os acordos sino-brasileiros ganharam ares de tábua de salvação para uma economia a claudicar entre a estagnação absoluta e a queda geral da atividade econômica.
Que a assinatura de acordos comerciais com a China é uma boa notícia, ninguém discute. Afinal, depois de passar anos amarrado à imobilidade comercial do Mercosul, o Brasil parece finalmente ter despertado para a importância dos tratados bilaterais no incremento da corrente de comércio nacional. Com problemas políticos de toda ordem e suas principais economias (Brasil, Argentina e Venezuela) enfrentando crises de maior ou menor proporção, o Mercosul hoje parece mais um peso que o Brasil carrega do que trampolim para escapar da recessão que se avizinha.
Mas serão os acordos com a China a verdadeira tábua de salvação da economia brasileira?
Aparentemente, a resposta é negativa.
Primeiramente, há de se entender que a China não é exatamente uma economia exportadora de capital, mas antes um grande sorvedouro do dinheiro que transita pelo mundo. Melhor explicando, a China ainda é um país em desenvolvimento. Ao contrário de países como os Estados Unidos, a Alemanha ou o Japão, os agentes governamentais e econômicos atuam principalmente para trazer dinheiro para o país e industrializá-lo, não para levar a industrialização além-mar.
Nas economias mais desenvolvidas, que já atingiram grau de industrialização elevado, o caminho é inverso. Como o desenvolvimento industrial normalmente conduz à especialização de mão-de-obra, o custo de produção aumenta. Para não perder a competitividade no mercado global, as empresas saem em busca de lugares onde o custo é menor para transferirem sua produção. Isso, a propósito, é o que explica o “Milagre Econômico Chinês” das últimas três décadas: baixo custo de mão-de-obra atraindo investimentos maciços de empresas estrangeiras.
Obviamente, depois de 30 anos de crescimento boçal, a China entraria, mais hora, menos hora, no clube dos países que exportam dinheiro. Mas mesmo isso deve ser visto com reservas. Olhando-se os investimentos da China ao redor do mundo, verifica-se uma nada sutil diferença em relação aos países desenvolvidos. Enquanto estes estão ocupados em manter os custos de produção em patamares irrisórios, os chineses preocupam-se com as matérias-primas que abastecem sua economia. Daí os investimentos em Sudão e em Angola, para ficar apenas nos dois exemplos mais emblemáticos.
Se isso não fosse o bastante, o histórico dos chineses no cumprimento de suas promessas recomenda dose adicional de cautela por parte dos brasileiros. Quem não lembra o país reconhecendo a China como economia de mercado em troca do voto favorável à inclusão do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança? Alguns meses depois de o Brasil abrir mão de uma série de garantias nas disputas comerciais com os chineses na OMC, a China foi lá e vetou a proposta de reforma da ONU.
Observando-se esse contexto, pode-se analisar com mais clareza os acordos Brasil-China. Reparem que, no meio de ‘n’ promessas enumeradas nos tratados, a única medida realmente efetiva foi o levantamento do embargo à carne brasileira. Ou seja: a única coisa que ganhamos de cara foi o retorno a um mercado que já tínhamos, para vender um produto básico sem qualquer valor agregado.
Fora isso, a grande estrela dos acordos foi o memorando de entendimento para construção da Ferrovia Transoceânica, que ligará o Porto de Açu, no Rio de Janeiro, até o Pacífico, na costa peruana. Para os chineses, a ferrovia faz todo o sentido. Além de deixarem de depender da boa vontade norte-americana, que controla o Canal do Panamá, a ferrovia diminuirá os custos de transporte da soja e ferro importados pela China.
Deixando-se de lado questões básicas, como o custo estratosférico de construção da ferrovia (mais de US$ 10 bilhões), problemas ambientais (a ferrovia vai cortar a Amazônia) e desafios logísticos (não é assim tão fácil transpor a Cordilheira dos Andes), é o caso de se perguntar: o que o Brasil ganhará com isso?
É evidente que exportar mais é sempre bom. Mas até que ponto convém concentrar esforços no aumento da exportação de produtos primários, quando são os produtos industrializados que desenvolvem uma nação? Faz sentido o Brasil se reduzir ao papel de exportador de soja, carne e ferro, enquanto compramos dos chineses carros, Iphones e computadores?
No meio de tanto oba-oba, pouca gente consegue enxergar os riscos envolvidos numa aproximação imprevidente com a China. Chegamos ao século XXI com o desafio de nos livrarmos da eterna dependência dos Estados Unidos. Estamos hoje arriscados a apenas trocarmos de dominador, sem que fiquem claras as vantagens envolvidas nessa troca.