O Cisma do Oriente, ou A reunificação da Igreja Católica

No mundo monástico, não se fala em outra coisa. Ontem, o Papa Francisco e o Patriarca da Igreja Ortodoxa, Bartolomeu, encontraram-se neste último fim de semana em Istambul. No meio das celebrações por Santo André, patrono da Igreja Oriental, os dois líderes religiosos firmaram uma declaração conjunta na qual assentam a idéia de reunificação da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa. Sem qualquer trocadilho, essa é a notícia mais importante da história da religião no último milênio. Para explicar a importância desse movimento, é necessário voltar um pouco no tempo.

No final do século IV d.C., o Império Romano dominava quase todo o mundo conhecido. Mas já não estava mais com essa bola toda. Com conflitos internos e pressões externas oriundas dos povos bárbaros, os romanos começaram a bolar uma estratégia de sobrevivência para o dia em que, fatalmente, Roma cairia. Para tanto, recorreram à alternativa mais comum nesse tipo de situação: dividir para governar. Nascia, então, o Império Romano do Ocidente, com sede em Roma; e o Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla.

Naquela época, o Imperador Teodósio já tinha proclamado o Edito de Tessalônica, decretando o cristianismo como religião oficial do Império. E, já que o Império se dividira entre Roma e Constantinopla, nada mais natural do que dividir também o comando da Igreja entre o Ocidente e o Oriente. O problema é que, quando duas partes dividem o poder entre si, invariavelmente acabam disputando para saber quem pode mais.

Foi justamente isso que aconteceu entre a Igreja Católica e a Igreja Bizantina. A despeito da queda da cidade em 456, a Igreja de Roma reclamava para si a proeminência sobre o mundo católico: em poder, em prestígio e, claro, em doutrina religiosa. No final do primeiro milênio, as divergências já estavam no limite do insuportável. Bastava apenas uma fagulha para estourar o paiol. E quem trouxe o fogo para perto da pólvora foi o papa Leão IX.

Em 1043, Miguel Cerulário assumiu o posto de Patriarca do Oriente. Como diriam os mais jovens, Cerulário “chegou chegando”. Contrariado com as diferenças litúrgicas e o conceito que a Igreja de Roma conferia ao Espírito Santo, mandou fechar todas as igrejas latinas em Constantinopla.

Em pânico, Leão IX despachou o legado papal, Cardeal Humberto, para ter com os representantes da Igreja Bizantina. Foi como jogar gasolina no fogo. Como Miguel Cerulário não quisesse voltar atrás na sua determinação, Humberto resolveu excomungar Cerulário. Como uma briga de meninos no recreio, Cerulário reagiu excomungando – veja só – o próprio Papa Leão IX. Leão IX, por sua vez, excomungou todos os integrantes da Igreja Bizantina. Estava consumado, então, o Cisma do Oriente.

Por pelo duas oportunidades, os representantes dos dois lados do mundo cristão tentaram resolver as suas diferenças. A primeira, o Concílio de Lyon (1274); a segunda, o Concílio de Florença (1439). No entanto, as tentativas foram malogradas. O último grande movimento de reaproximação data do papado de Paulo VI, quando, em reunião com o Patriarca Atenágoras I, ambos levantaram reciprocamente a excomunhão lançada entre as igrejas.

Agora, Francisco acena com a proposição de não bulir com os rituais litúrgicos dos ortodoxos. Obviamente, qualquer acerto deve passar decerto pelo reconhecimento bizantino do primado papal sobre o mundo católico. Isso, contudo, não deve implicar grandes mudanças na autonomia do Patriarcado de Constantinopla sobre suas igrejas.

Se a reunificação vingar, a Igreja Católica, que experimenta uma incessante perda de fiéis, irá readquirir a liderança espiritual sobre mais de 250 milhões de fiéis. Seria um reviravolta sem tamanho se a sangria católica começasse a ser estancada justamente pelo retorno daqueles que marcaram o início de seu declínio: o Grande Cisma do Oriente. Se isso fosse pouco, uma eventual reunificação daria à Igreja Católica uma ponta-de-lança estratégica para alcançar um território que sempre foi avesso aos postulados romanos: a Ásia.

Por trás da carisma e da vocação pastoral inegáveis do Papa Francisco, pode estar escondido um grande estadista. É esperar pra ver.

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2 Responses to O Cisma do Oriente, ou A reunificação da Igreja Católica

  1. Avatar de André Caminha André Caminha disse:

    Em qualquer base que viesse a acontecer à reunificação da Igreja Católica com a Igreja Ortodoxa seria algo fenomenal para o cristianismo, tal a complexidade e interesses que o tema envolve. Para os que não crêem e mesmo para a maioria dos que crêem o êxito seria uma obra meramente humana, para uma minoria dos que crêem uma obra resultante da interferência divina.

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