Uma das coisas que o Brasil precisaria repensar – e pra ontem – era a formação da grade curricular juvenil. A matéria já foi analisada aqui certa feita. Naquela oportunidade, critiquei a bizarrice de colocar adolescentes sem a menor intenção de seguir a carreira científica para estudarem inutilidades como o número de Avogrado. Se o cara quer ser administrador ou advogado, qual a razão de obrigá-los a decorar que 1 mol é igual a 6,02 x 10^23?
Além da necessária reestruturação da grade curricular, com a focalização do estudo para áreas de real interesse do estudante, uma das coisas que deveriam ser repensadas no Brasil é a extinção da disciplina de Organização Social e Política Brasileira.
Mais conhecida pela sigla OSPB, a Organização Social e Política Brasileira foi uma matéria ensinada nas escolas até o ano de 1993. Em seus tempos, era uma das mais temidas e famigeradas pela maioria dos estudantes. Não era pra menos. Quem poderia simpatizar com uma disciplina com nome de remédio?
Prima-irmã da também incompreendida Educação Moral e Cívica, OSPB foi uma disciplina instituída durante o regime militar no ano de 1968. Seu propósito era ensinar aos alunos noções gerais sobre o funcionamento do sistema político brasileiro, a organização dos estamentos sociais e o conceito de cidadania.
Como tudo na época dos militares, todos os estudantes e a maioria dos professores identificava na disciplina um instrumento de tutela do pensamento alheio. Quando o sujeito lia, por exemplo, “culto à Pátria”, entendia “Brasil: ame-o ou deixe-o”. “Fortalecimento da unidade nacional” era compreendido como “fechar os olhos para a tortura nos porões”.
Muito disso derivava do mau ensino da matéria e, em parte, do preconceito de estudantes e professores com qualquer coisa que tivesse cheiro de caserna. Pouca gente se dava o trabalho de enxergar a disciplina através de outros olhos que não fossem os do conflito político-ideológico. Era uma pena, pois o que a matéria tinha a oferecer era muito mais do que panfletagem ufanista e alienante.
Quando a Ditadura se foi no final da década de 80, ao invés de pensarem em uma forma de desmistificar a OSPB e torná-la mais palatável à geração que não viveu sob a repressão militar, os educocratas de plantão resolveram simplesmente aboli-la. Com ela, foi-se o último bastião de ensino de cidadania que restava na grade curricular brasileira.
Que mal faria a um jovem, por exemplo, aprender como funciona o sistema proporcional para eleições legislativas? Ou entender como operam as relações federativas entre União, Estados e Municípios? Hoje, o sujeito sai da escola sem conseguir citar um mísero direito fundamental do rol de 78 previstos no art. 5º da Constituição. Aliás, sai sem sequer saber direito o que é uma constituição e a razão pela qual temos uma.
Esse é, talvez, a principal fratura resultante da extinção da OSPB em nosso país. Quando a ignorância se espalha em forma de alienação, o radicalismo se torna a única alternativa para demonstrar revolta. Como jovens podem aprender a questionar legitimamente o sistema político e tentar lutar para modificá-lo se eles nem ao menos são ensinados a compreender como ele funciona?
Pode parecer banal, mas muita coisa ruim existente atualmente no país pode ser atribuída a essa deficiência curricular. Quando se observa jovens saindo às ruas para pedir “Intervenção Militar Já!” ao som do primeiro escândalo de corrupção que aparece, é sinal de que a sua noção de cidadania foi para o espaço.
Felizmente, já há no Congresso algumas propostas de parlamentares no sentido de ressuscitar a OSPB. Pode ser que seu retorno não dê em nada. Mas, assim como a democracia, se estivemos ruim com ela, ficamos pior sem ela.
Bela lembrança. Concordo plenamente com a linha de raciocínio. Quem dera o Congresso, num momento de lucidez, examinasse e aprovasse tais matérias.
Alerto apenas para o risco, segundo conceito muito em moda, de recebermos a alcunha de “bolivarianos” por defendermos tal ideia.
Um abraço.
Acho difícil, meu caro. Até porque, dentro do espectro ideológico tradicional, é mais fácil sermos acusados de carolas, caretas e obscurantistas de uma direita retrógrada do que radicais de uma esquerda bolivariana. Mas a questão, no fundo, permanece. E já passou da hora de o Congresso e o Governo acordarem pro assunto. Um abraço.