A desconstrução de Marina, ou O terrorismo em tempos de eleição

Já estava escrito. Era só questão de Marina subir mais um pouco nas pesquisas até que as hostes petitas e tucanas utilizassem seu arsenal político e acionassem suas metralhadoras verbais contra a mais nova surpresa das eleições de 2014. Ossos do ofício. Afinal, quem quer realmente chegar um dia à Presidência da República deve saber que não lhe entregarão o cargo de mão beijada. Assim como nas antigas guerras medievais, o mais alto cargo da Nação não é presente, é conquista.

No caso de Marina Silva, contudo, surpreende a desfaçatez da desconstrução que se pretende operar contra ela. Até agora, Marina já foi comparada, pela ordem, a Jânio Quadros, a Fernando Collor de Mello e – pasmem – a Adolf Hitler. Deixando-se de lado o fato de que ela foi petista de 4 costados e que seu programa econômico de Governo se assemelha muito ao propagandeado pelo PSDB, é de se perguntar se os precedentes históricos têm alguma aplicabilidade ao caso concreto.

Compara-se Marina a Jânio, Collor e Hitler, em primeiro lugar, por ser supostamente uma candidata que se projeta fora dos partidos políticos tradicionais. Além disso, questiona-se como alguém desprovido de base parlamentar sólida pode conduzir um país tão complexo como o Brasil. Por último, indaga-se se Marina teria jogo de cintura suficiente para compor interesses tão diversos sem lançar o país numa crise institucional. Todas são perguntas válidas. O que confere desproporção à iniciativa, no entanto, é a referência forçada a tristes episódios da história nacional e internacional.

Começando pelo final. Alguém por aí viu Marina fazendo campanha antissemita e dizer que a culpa de todos os males de nosso país é dos judeus? Não. Marina possui alguma milícia armada destinada a intimidar os adversários? Menos ainda. Marina participou de alguma tentativa de golpe de Estado? Muito pelo contrário. Lutou pela democracia. Logo, a comparação com Hitler é apenas a comprovação empírica da Lei de Godwin.

No que toca a Jânio Quadros, as comparações também são despropositadas. Jânio teve uma ascensão meteórica, saindo de vereador a presidente em menos de uma década. Jânio se elegeu no rastro de uma campanha populista motivada pela tragédia econômica provocada pelo governo JK (cujo endeusamento até hoje não se compreende). Eleito, quis dar um golpe desconexo para se tornar ditador.

Marina, ao contrário, é uma política com larga trajetória nos movimentos sociais, senadora por 16 anos e ministra de Estado por outros 4. Pode-se discordar de suas posições, mas todo mundo sabe o que ela pensa. E, entre seus pensamentos, não há nenhuma indicação de que venha a renunciar ao cargo com o propósito de retornar triunfalmente à Presidência. Não há, portanto, qualquer base para comparar uma política experimentada, de tradição democrática, a um político demagogo como Jânio Quadros.

Em relação a Fernando Collor, a tentativa fica ainda mais canhestra. Collor elegeu-se com a fama de caçador de marajás, assentado em um esquema corrupto de poder armado por PC Farias. Foi por isso que caiu, e não somente porque era desprovido de base parlamentar. Como disse Luís Nassif outro dia, pode-se atacar Marina por qualquer flanco, menos pela honestidade. Assim como a presidente Dilma, qualquer tentativa de derrubar Marina pela via ética está condenada ao fracasso.

Pode-se questionar – e aí a discussão é válida – se Marina teria condições de governar sem maioria parlamentar sólida. No nosso “presidencialismo de coalizão”, dispor de maioria no Parlamento é quase uma condição de governabilidade. Isso, contudo, não é inteiramente certo. Dois precedentes históricos, um bom e outro ruim, permitem concluir o contrário.

Primeiro, o precedente ruim.

Sem nenhuma base parlamentar, assentado em um partido completamente irrelevante (PRN), Collor arrancou do Congresso a aprovação da mais assombrosa medida econômica de nossa história: o Plano Collor. Fez isso porque trazia consigo a grande legitimidade popular de primeiro presidente civil eleito após a ditadura. Em caso de vitória, Marina chegaria ao Planalto montada numa legitimidade muito maior do que aquela que permitiu a Collor confiscar a poupança dos brasileiros.

Segundo, o precedente bom.

Quando Collor foi defenestrado da Presidência, Itamar Franco nem partido político tinha. Brigara com Collor e desfiliara-se do PRN há mais de ano quando assumiu. Mesmo assim, sem promover nenhum acordão político, conseguiu aprovar o Fundo Social de Emergência, condição necessária para implementar o plano econômico que permitiria aos brasileiros voltar a ter noção do valor da moeda: o Real.

À diferença de Collor e Itamar, no entanto, Marina chegaria ao Planalto assentada em um partido de médio porte (PSB), coligado a outros partidos menores, todos com conceitos programáticos amplamente conhecidos. Fora isso, não é demais imaginar que partidos notoriamente anti-petistas, como o próprio PSDB, possam vir a compor o seu governo, oferecendo-lhe um suporte congressual muito maior do que dispuseram Jânio, Collor e Itamar.

A verdade é que, em tempos de eleição, as afinidades partidárias são más conselheiras. Para o bem geral da Nação, nenhum dos três candidatos mais bem postos na pesquisa representa o risco de uma ruptura institucional no país. A grande discussão, portanto, deve girar em torno das idéias que propõem.

 Quando o povo se der conta disso, poderemos deixar o terrorismo eleitoral de lado e passar a nos preocupar com o que realmente importa: “Afinal, senhores candidatos, o que você farão para melhorar a vida do brasileiro?”

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3 Responses to A desconstrução de Marina, ou O terrorismo em tempos de eleição

  1. Avatar de André Caminha André Caminha disse:

    Claro que a comparação com Hitler não tem sentido e ainda não observei nenhum articulista de importância fazendo essa relação. Contudo, com os demais não é bem assim como o amigo fala. Não são poucas as opiniões de peso que apontam as semelhanças da “ungida” com os outros dois personagens nefastos que fizeram parte da História do Brasil. Que o diga o artigo de hoje do Ruy Castro, que elenca muito bem as coincidências da BlaBlaMarina com Jânio Quadros. http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2014/09/1509987-viver-um-papel.shtml

    • Avatar de arthurmaximus arthurmaximus disse:

      Meu nobre, as comparações com Collor e Jânio são, na melhor das hipóteses, algo forçado. O contexto político, as circunstâncias históricas e até mesmo a personalidade das principais personagens são inteiramente díspares. Não há razão para acreditar que Marina tentará governar como ditadora (Jânio), muito menos que venha a cair por algum episódio de corrupção (Collor). Quanto às menções a Hitler, de fato não houve nenhuma referência explícita. Mas li, em mais de um artigo no Blog do Nassif, referências às supostas semelhanças entre o “apartidarismo” de Marina e a ascensão dos movimentos fascistas na década de 30. Enfim, não creio que Marina – como, de resto, nenhum dos principais candidatos nesta eleição – conduziria o país a uma situação de crise institucional. Um abraço.

  2. Avatar de helio helio disse:

    Engraçado que Marina Silva foi Ministra do Meio Ambiente do governo Lula até 2008 e saiu desgastada após “sabotar” ou melhor, atrasar, dificultar ou recusar emissão de licenças ambientais para diversas obras. Teve até o caso dos bagres numa dessas hidrelétricas que saiu com atraso de 2 anos. Ela foi substituída por Carlos Minc que resolveu os problemas rapidamente.
    E agora em 2022, foi convidada novamente a ocupar a pasta e acho que vai ter vários confrontos pela frente…

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