O dever do voto, ou O mito do voto nulo

Parece piada. Em um país no qual a população passou 29 anos sem votar pra presidente, que promoveu uma das maiores campanhas populares da história para retomar o direito de sufrágio, ainda há gente fazendo campanha pelo voto nulo. A um só tempo, as campanhas pela anulação de voto revelam desrespeito quanto ao passado, ignorância quanto ao presente e descompromisso quanto ao futuro.

Já faz algum tempo que o fatídico email do “anule o seu voto” rola como spam pela Internet. Ao lado da “internacionalização da Amazônia” (com direito a mapa e tudo) e do “fim do mundo” oculto pelo Terceiro Segredo de Fátima, o “anule o seu voto” é uma das lendas urbanas mais batidas deste milênio. Segundo a argumentação do imbecil que escreveu a peça, se mais da metade da população anular o seu voto, as eleições seriam anuladas e os partidos seriam obrigados a lançar novos candidatos, em substituição aos primeiros, rejeitados nas urnas.

Começando pela final. Supondo que a mensagem fosse verdadeira e a informação, real,  qual seria a grande vantagem de ter novos candidatos indicados pelos mesmos partidos que indicaram os primeiros? O que leva as pessoas a acreditar que os novos indicados seriam melhores que os anteriores?

Fora isso, a proposição é desde sempre estapafúrdia. No nosso sistema eleitoral, os votos nulos e brancos simplesmente são excluídos da contagem geral. É dizer: a apuração de quem ganhou ou de quem perdeu a eleição se dá somente sobre os votos válidos. E, por “votos válidos”, entenda-se: todos os votos que não foram anulados.

Assim, como disse outro disse o jornalista Fernando Rodrigues, se há 100 milhões de eleitores no Brasil, será eleito presidente quem obtiver 50 milhões de votos mais um. No entanto, se 20 milhões de pessoas anularem os seus votos, o total de votos válidos cai para 80 milhões. Logo, será eleito quem conseguir alcançar a marca de 40 milhões mais um voto. Radicalizando o exemplo, se um candidato votar solitariamente em si mesmo e todo o resto da população anular o seu voto, o sujeito será considerado eleito com 100% dos votos válidos.

Na verdade, o que a lenda urbana faz é misturar alhos com bugalhos. Vamos imaginar, por exemplo, um caso de violação de urna. Se a urna eletrônica for violada, todos os votos nela computados serão anulados, pois não haverá confiança quanto ao resultado final da apuração. Imagine, agora, que sejam anuladas urnas representativas de mais da metade do eleitorado. Nesse caso, isto é, se a Justiça Eleitoral anular mais da metade dos votos da eleição, deve-se proceder a um novo pleito. Faz-se assim porque se entende que, nessa hipótese, a representatividade da eleição estará malferida.

Mesmo nessa alternativa, contudo, não há qualquer obrigatoriedade de que os candidatos sejam outros, que não tenham participado do pleito original. A confusão se estabelece porque, na imensa maioria dos casos de anulação de votos pós-pleito, a Justiça considera nulos os votos atribuídos a um candidato que teve seu registro impugnado. Isto é: anulam-se os votos recebidos por um candidato que não poderia concorrer. E é só por isso que ele não pode participar do novo pleito, e não por conta da quantidade de votos nulos lançados na urna.

No final das contas, a única conseqüência da anulação do voto é você transferir o direito de escolher seus representantes eleitos para outra pessoa. É como se você fosse convidado a participar de uma discussão e resolvesse ficar calado. Com qual autoridade você poderia depois questionar as decisões das outras pessoas se você não contribuiu com uma vírgula sequer para o debate?

Portanto, se você não gosta dos principais candidatos, vote em outro, mesmo que ele não tenha chance de vitória. Numa democracia, a melhor forma de protesto é aquela expressa nas urnas. Esteja consciente disso antes de sair por aí repassando ignorância em forma de lenda.

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4 respostas para O dever do voto, ou O mito do voto nulo

  1. rodriguesjr disse:

    ora, pois, se há o direito de voto nulo ou branco porque eu não posso exerce-lo? qual o desrespeito em se usar um direito? e quem ganha o pleito vai governar a todos: eleitores prós, contras, nulos, evangelicos, macumbeiros e ateus. porque aqueles que tiveram uma posição diferente da maioria perde o direito de reclamar? nos EUA a maioria da população exerce seu direito de NÃO ir as urnas e exigem um bocado daqueles que foram eleitos. e tanto aqui quanto lá há outras formas de participação politica, seja simplesmente assinando um abaixo assinado seja criando um projeto de lei (Maria da Penha,por exemplo). acreditar que o cidadão tem a obrigação de votar em alguém por qualquer motivo que seja me parece uma forma ditatorial de impor uma idéia.

    • arthurmaximus disse:

      Que você pode exercer o direito ao voto nulo, não há a menor dúvida, Rômulo. A questão é: essa é a melhor alternativa? A meu ver, não. Do ponto de vista da legitimidade, é duvidoso entender que o sujeito que se abstém do pleito tem direito a reclamar das coisas. Se o sujeito se exime do direito de eleger seu representante, com qual legitimidade ele terá para reclamar de quem foi eleito? Não quero obrigar ninguém a votar em ninguém (quanto a isso, estamos de acordo). Meu ponto é só esse: você quer mudar? Pois vote para mudar. Esse é o único jeito para fazê-lo em uma democracia. Um abraço.

      • Renato Meneguello disse:

        Fácil dizer que não devemos votar nulo e que devemos escolher alguém.

        Só que esses bostas anti voto nulo nunca dão um nome de um bom candidato para a gente votar. Você tem um bom nome em que a gente poderia votar cegamente? Se tiver indique-nos.

        Caso contrário, Shut da fuck up!!!

      • arthurmaximus disse:

        Normalmente comentários assim são bloqueados, Renato. Mas deixei este passar apenas para mostrar o quão inútil é essa sua “revolta”. Em nenhum momento disse para “votar cegamente” em alguém. Disse apenas que votar nulo é uma idiotice, porque, para além do erro de que uma suposta maioria de votos nulos “anularia a eleição”, sempre haverá um eleito. Logo, quando você não vota ou vota nulo, está automaticamente transferindo o poder de eleição para outra pessoa, que escolherá por você. Se você conseguir me mostrar como isso pode representar uma boa “estratégia eleitoral”, estarei pronto a mudar de opinião. Até lá, siga seu próprio conselho e permaneça calado, que assim você passa menos vergonha. #FicaaDica

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